Em entrevista ao Valor Econômico, Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, fala sobre os 15 anos da instituição e seus atuais desafios.
O cartão de visitas de Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos, tem mais do que endereço e contatos. Traz, no verso, a missão da entidade que ele dirige: “Mobilizar, sensibilizar e ajudar empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa”. A meta, ambiciosa, pauta o trabalho que o Ethos começou a desenvolver há 15 anos, quando arregimentava empresas em torno da responsabilidade social corporativa, uma espécie de precursora da atual gestão sustentável dos negócios.
Engenheiro e empresário, Abrahão participa do trabalho do instituto desde o início, como conselheiro e fundador. Acredita que a consciência em relação ao impacto ambiental e social das empresas aumentou, mas “está muito aquém das necessidades”. Veja abaixo trechos da entrevista que ele concedeu sobre as perspectivas e projetos do Ethos que, aos 15 anos, entra em nova fase.
Valor: Em sua trajetória o Ethos mobilizou empresas em torno da responsabilidade social, apresentou e discutiu conceitos como sustentabilidade e trabalhou na disseminação deles. Qual será a direção agora, aos 15 anos?
Jorge Abrahão: O Ethos trouxe um tema até então inovador, que não existia no Brasil. Quando traz o tema, ele sensibiliza, mobiliza, toca os corações de alguma maneira. Isso é uma parte da missão. Logo em seguida vem outra parte, contribuir com a gestão socialmente responsável das empresas, que também era uma novidade. Aí o Ethos criou os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial, que naquele momento eram também uma grande novidade, uma forma de concretizar o que era responsabilidade social empresarial. Estava mostrando os caminhos. E aí tinha uma terceira etapa, que era a mais difícil: tornar as empresas parceiras da construção de uma sociedade justa e sustentável. Nesse processo todo, nós não esgotamos nem a primeira, nem a segunda etapas, e estamos agora avançando nessa terceira.
Valor: O que torna essa etapa a mais difícil?
Abrahão: Se você decide na empresa avançar numa política de responsabilidade social, atuar em questões do impacto da empresa no ambiente, no cuidado na relação com a comunidade e com o público interno, é uma decisão em que você avança. Quando você quer ver como a empresa pode contribuir para que São Paulo ou o Brasil seja melhor… aí muda. Acho que é esse o diálogo, e nós temos que colocar essa corresponsabilidade nos processos. Os desafios são de tal magnitude – mudança climática, aquecimento global, biodiversidade, resíduos, temas ligados a essa área – e as empresas têm um baita de um impacto. Quando a gente pensa no desafio social, redução de pobreza, combate à desigualdade, e quando a gente pensa no desafio da integridade… isso é muito grande. Nós só podemos fazer isso dialogando com outros atores. Não vai ser só o governo que vai resolver isso, não vão ser só as empresas e não vai ser só sociedade civil.
Valor: Como essa participação pode ser estimulada?
Abrahão: Um dos desafios é efetivamente mobilizar mais. Como? Respeitando as diferentes formas de engajamento que as empresas têm. Queremos integrar empresas que não entraram ainda no Ethos, expandir no sentido de que são empresas que preenchem indicadores, fazem relatórios. Queremos duplicar em cinco anos o número de empresas engajadas nesses diferentes processos.
Valor: No patamar avançado, das empresas que realmente se pautam pela sustentabilidade, já existe um grupo formado?
Abrahão: Não, nós queremos ter nele 30 empresas de dez diferentes setores, que possam demonstrar como estão considerando a sustentabilidade no planejamento de uma forma transversal.
Valor: Nos últimos anos, outras entidades e associações que advogam a sustentabilidade ganharam força e adesão de empresas. Como vocês pensam na articulação com elas?
Abrahão: A gente percebe um valor enorme nas entidades, mas a agenda fica bastante ligada àquela questão do imediatismo mais vinculado à atuação dessas entidades. O valor do Ethos é que ele está no meio desse processo. Nós temos uma entidade que tem as empresas como sua base, mas que considera fortemente o interesse público em suas ações. Como é que a gente combina o interesse privado com o interesse público? É diferente de se caminhar numa defesa específica de um determinado setor. Quando a gente trabalha com resíduos, a gente convida todas as entidades, vê qual é a agenda comum, chama os governos, aí o governo vem com outro olhar… O desafio é trabalhar com as empresas, mas não para as empresas.
Valor: Olhando para trás nesses 15 anos, o que avançou e o que ficou para futuro?
Abrahão: Avançou uma grande consciência, eu acho que é esse o primeiro ponto. Essa consciência gerou uma mudança de comportamento nas empresas que estão com visão de longo prazo, porque essa consciência aponta para o futuro, não para o que está acontecendo agora. Essa consciência mudou na dimensão e na proporção colocadas? Não, não mudou, está muito aquém das necessidades. A gente precisa ter consciência de que somente as ações individuais não vão fazer as transformações. A atuação da empresa individualmente é fundamental. Mas estar com outras empresas, articular com a sociedade civil, construir políticas públicas para universalizar processos é o que vai dar grande velocidade ao processo.
Valor: Houve um momento em que algumas grandes empresas queriam ter um papel estratégico em relação às mudanças climáticas, fazer o que os governos não estavam conseguindo. O que limita essas ações?
Abrahão: Acho que este é um processo. No fundo, a lógica do negócio não mudou. Essas questões de mudanças de práticas empresariais, construção de políticas públicas, contribuem muito no processo, são importantes, mas a gente tem uma mudança de valores, de cultura empresarial. Enquanto os líderes das empresas – e aí não é só culpa dos líderes, é o investidor, o acionista – cobrarem resultados de curto prazo, enquanto a lógica for essa, e os CEOs tentando malucamente responder a essas demandas, aí os critérios de tomada de decisão não vão estar considerando as questões-chave do desenvolvimento sustentável.
Valor: Essa questão do prazo de retorno de investimentos já é discutida há algum tempo e o mercado continua focado em rapidez. De que forma é possível introduzir uma mudança?
Abrahão: Acho que a gente tem que trabalhar os valores de uma maneira geral e isso é longo prazo. Como a gente forma as novas lideranças? Como a gente muda a visão dos acionistas? Como a gente muda a visão do consumidor? Outra questão central é a regulação, que pode contribuir muito. Agora, a regulação tem que ser construída conjuntamente. A impressão que dá é que não aprendemos com a crise de 2008. Quando se olha para uma crise como a de 2008, qual é o aprendizado para que isso não se repita? Ali seguramente tinha alguma coisa ligada à regulação. É difícil pensar numa autorregulação do sistema. Essa regulação negociada é que eu acho que é chave. Como é que a gente dá velocidade? Nós não aprendemos com o passado? Nós não estamos conscientes do que está acontecendo? Estamos, só que a gente está com um dilema: está sendo anunciado que vai acontecer alguma coisa daqui a 30 anos, daqui a 40 anos, daqui a 20 anos, e hoje a gente continua raciocinando com a ideia limitada do ganho possível. Acho que tem empresas que estão avançando nisso. Tem umas que estão com a visão dos 20 anos, 10 anos, e estão atuando. Mas a grande maioria ainda não está e o nosso trabalho é, através desses diferentes graus de questões, trabalhar internamente, trabalhar valores, a regulação, porque o último ponto lá da grande consciência é a catástrofe. Eu uma vez estava numa discussão com o Leonardo Boff, sabe? E olhando para ele, aquela figura simpática que ele é, eu pensava assim: “De onde é que ele tira a força, a vitalidade, para esse processo?”. Aí falava ele assim: “Olha, tem duas maneiras. Uma delas, que é provada, é a catástrofe, a catástrofe vai nos fazer ter uma consciência, porque não vai ter outra saída. A outra é nós continuarmos tentando avançar na radicalidade possível”. O que eu acho que o Ethos tenta fazer é atuar na radicalidade possível.
Valor: O senhor acha que, com o crescimento das mídias sociais, a exposição de impactos causados por empresas ganhou uma condição que as pressiona a mudar? A vitrine ficou mais frágil?
Abrahão: Eu não tenho dúvida. Isso tem muito a ver com a consciência do intangível das empresas. A gente está falando de empresas que estão cada vez mais preocupadas com o intangível, com a imagem, com a reputação etc. Então eu acho que a mídia, esse espalhamento das informações, contribui muito para que as empresas de uma maneira geral percebam que elas têm que ter um comportamento, que elas têm que fazer o que elas estão falando, porque do contrário elas vão ser fortemente cobradas sobre isso. O Instituto Akatu soltou uma pesquisa recentemente que coloca que a credibilidade nas empresas vem caindo, sob o ponto de vista do “Você acredita no que elas falam?”. Ajuda muito essa coisa da informação, as empresas preocupadas com a sua reputação, com sua imagem, e isso é mobilizador de transformações sim. E daí a gente verifica que cada vez menos as empresas têm chances de fingir que estão fazendo.
Valor: A prestação de contas à sociedade, a publicação de relatórios sociais, também parece estacionada, apesar de as empresas estarem hoje muito expostas…
Abrahão: A proporção do envolvimento das empresas ainda está aquém, pelo que temos visto, de uma demanda da sociedade, de uma maneira geral, da agenda. Agora a proporção do envolvimento da sociedade, dos cidadãos, está muito aquém. Então a proporção da ação dos governos também está aquém, mas a mídia também está. É por isso que eu valorizo tanto o Ethos, essa questão do trabalho com esses atores como um todo. É esse movimento que vai fazer a coisa avançar. Não vão ser só as empresas. Elas têm um papel-chave, mas, se a gente conseguir combinar essas ações, acho que é a maior chance que a gente tem.
Valor: O que seria hoje, na visão do Ethos, uma empresa socialmente responsável ou orientada pela sustentabilidade?
Abrahão: Seria a empresa que, quando vai discutir o seu planejamento, na verdade, coloca a sustentabilidade no centro das suas decisões. Que os investimentos que ela vá fazer, que os processos de inovação, que as tomadas de decisão tenham a pergunta: qual vai ser o impacto disso nas questões sociais, ambientais, e os riscos de integridade de qualquer ação que eu vá tomar? É diferente de falar “Eu vou ter um departamento de sustentabilidade, e ele vai dar conta das minhas questões”.
Valor: Nessa perspectiva, qual é a maior carência das empresas brasileiras em relação ao que seria idealmente uma empresa sustentável? O que mais faz falta?
Abrahão: Acho que a gente está no mesmo patamar das empresas que estão avançando fora do Brasil. Não estamos devendo muito nesse sentido. O problema é o de sempre. As empresas estão pontualmente em uma determinada agenda, não existe uma integração com as demais agendas da sustentabilidade, isso não é tratado no core do negócio, é tratado dentro de uma agenda que muitas vezes é mais para superar um momento específico. Vamos olhar minimamente para a frente. Nós temos oportunidades de negócio sendo construídas nessas áreas. A gente está tendo uma uniformidade de uma agenda global, clareza dos temas, muito ligados à produção e consumo, aos limites do planeta, pobreza e desigualdade. Daí vão sair os temas do desenvolvimento sustentável. Vão ser dez grandes objetivos do desenvolvimento sustentável. Isso vai ser um norte para os governos, para as empresas e para a sociedade. Eu acho que o Brasil, nesse sentido, tem uma oportunidade superimportante, porque pode ser uma das lideranças desse desenvolvimento sustentável, pelas características que tem, e podemos trabalhar a ideia de o produto brasileiro ser um produto sustentável. A gente constrói uma agenda para o Brasil.
Por Celia Rosemblum, para o Valor Econômico
Texto publicado originalmente na edição de 27/5/2013 do jornal Valor Econômico.