Mais de 30,7 milhões de novos deslocamentos foram registrados em 2020 devido a desastres relacionados ao clima
Cerca de 80% das pessoas forçadas a se deslocar no mundo têm como origem países que estão entre os que mais sofrem as consequências das mudanças climáticas. Pessoas deslocadas à força estão na linha de frente da emergência climática. À medida que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26) segue em andamento, em Glasgow, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) alerta que ao redor do mundo o custo humano da crise climática já está sendo sentido, levando ao deslocamento forçado e tornando a vida mais difícil para aqueles que já são forçados a deixar seus locais de origens.
Segundo dados da organização, lançados no painel deslocados na linha de frente da emergência climática, o aquecimento global impulsiona o deslocamento forçado. Mais de 30,7 milhões de novos deslocamentos foram registrados em 2020 devido a desastres relacionados ao clima. Os desastres ambientais já provocaram três vezes mais deslocamentos do que conflitos e violência. Além disso, milhões de pessoas refugiadas vivem em áreas vulneráveis às mudanças climáticas, como inundações e tempestades, e não dispõem dos recursos necessários para se adaptar aos ambientes cada vez mais hostis.
Mauritânia e Mali
Um exemplo dessa situação acontece em países africanos na região do Sahel. Antes da COP26, o conselheiro especial do ACNUR para ação climática, Andrew Harper, foi à Mauritânia e visitou o Lago Mahmouda e o campo de refugiados de Mbera, localizado a cerca de 60 quilômetros da fronteira com o Mali.
Durante sua visita, pessoas refugiadas, mauritanos e autoridades locais lhe relataram como as mudanças climáticas transformaram a região, levando comunidades já vulneráveis à pobreza e à insegurança alimentar.
“As pessoas que vivem ao redor do lago não apenas fugiram do conflito em seu país, mas também de um clima que está se tornando cada vez mais hostil em seu impacto – onde os lagos em que costumavam pescar agora desapareceram. Eles sabem melhor do que ninguém que o tempo está se esgotando e precisamos agir agora”, afirmou Harper.
O conselheiro especial pediu aos líderes mundiais que ajudem as comunidades e governos que enfrentam os piores impactos das mudanças climáticas que menos contribuíram para a crise e têm a menor capacidade de adaptação, ou correm o risco de mais conflitos causados pelo clima e deslocamento.
Ele pediu para os países mais desenvolvidos que “tentem encontrar soluções e recursos tão necessários para governos e comunidades que estão sendo injustamente afetados pela crise climática. Precisamos também investir na paz e não esperar o conflito estourar.”
Harper também apelou a esforços conjuntos para fazer rápido progresso na Grande Muralha Verde – uma iniciativa de reflorestamento que visa aumentar uma barreira de 8 mil quilômetros de comprimento para combater a degradação ambiental e a seca no Sahel – que também passará pela área do Lago Mahmouda.
“Esse projeto precisa ser implementado agora, não há tempo a perder”, defendeu Harper. “Precisamos desenvolver as capacidades dos respectivos ministérios e nos envolver com as comunidades pelas quais a Grande Muralha Verde passará”.
Subsistência em risco
Yahya Koronio Kona sentiu pela primeira vez o efeito das mudanças climáticas em seu sustento em 2013, depois que o lago Faguibine no Mali, localizado próximo de sua cidade natal, Goundam, secou por completo, evaporando desde a década de 1970 devido a longos períodos de estiagem. Ele se mudou para outra cidade, onde surgiram tensões entre as comunidades locais e os recém-chegados à medida que a demanda por recursos limitados em um ambiente em rápida deterioração se tornava insustentável.
Ataques armados, hostilidade e a falta de proteção na região o forçaram a se mudar mais ao sul, onde a situação era muito volátil e ele acabou cruzando a fronteira para a Mauritânia em 2019, estabelecendo-se nas margens do lago.
Milhões de malianos abandonaram suas terras e casas quando lagos como Faguibine, Kamangou e Gouber secaram, deixando-os sem meios de cultivar, pescar ou criar gado. Somado à contínua insegurança no país – e na maior parte do Sahel – milhões de malianos cruzaram a fronteira para a Mauritânia e outros países vizinhos, incluindo Níger e Burkina Faso.
Enquanto Yahya esperava melhores perspectivas no lado da Mauritânia, ele agora enfrenta outra situação preocupante: o Lago Mahmouda está secando e encolhendo continuamente devido ao clima cada vez mais severo.
Cerca de 90% do território da Mauritânia encontra-se no Deserto do Saara, tornando-o particularmente vulnerável aos efeitos da desertificação causada por longos períodos de seca e diminuição das chuvas. A estação chuvosa deste ano, que normalmente começa em junho e vai até setembro, foi de poucas chuvas.
“Pescar é tudo que eu sei fazer. É o que me ensinam desde que era menino. Estou preocupado que o lago seque caso não chova logo. Não sei o que vamos fazer”, conta Yahya.
Seus conterrâneos do Mali – cerca de 1.200 vivem à beira do lago – concordam que a situação só vai piorar à medida que mais compatriotas chegarem, elevando a pressão sobre os recursos já escassos, compartilhados com as comunidades da Mauritânia, a maioria nômades que mantêm grandes rebanhos de gado perto do lago.
Yahafzou Ould Haiballa, 57, um pastor mauritano da vila vizinha de Suleyman, costuma passar pela vila de pescadores enquanto leva seu gado para pastar e beber do lago. Nascido e criado na região, ele viu a população crescer, especialmente desde 2015, quando o primeiro grupo de pescadores do Mali chegou. “Vivi aqui toda a minha vida e nunca vi uma situação tão ruim. Vivemos com os malianos há muito tempo e nos tornamos como irmãos”, relata.
Como Yahya, Yahafzou se preocupa com as mudanças climáticas. Para ele “as coisas vão piorar e este lago pode desaparecer se as chuvas não vierem”.
À medida que a crise climática se agrava e mais malianos entram no país, a necessidade de garantir seus meios de subsistência para seu bem-estar e sua permanência no país de maneira digna e sustentável é crítica.
Investimentos
Para Andrew Harper, ao aumentar os investimentos em áreas como viveiros de árvores e uso de energia renovável, as populações que atualmente obtêm renda com a destruição da frágil cobertura de árvores terão um futuro mais digno e sustentável devido aos investimentos na preservação de ambientes frágeis que estão sob ameaça.
Por um momento, a pequena vila de pescadores de Yahya ganha vida quando as caixas de peixes da pesca do dia são carregadas em um pequeno caminhão que fará o seu caminho para os mercados locais e, possivelmente, através da fronteira com o Mali. O que quer que seja feito, será uma fonte de alívio de curto prazo para os moradores.
Yahya sente falta de sua vida em casa, onde, antes da seca, tinha um fluxo constante de renda com a pesca, sua pequena fazenda e, o mais importante, paz. Por enquanto, ele só quer se concentrar na construção de um futuro mais seguro.
“Rezo para que chova logo para que possamos continuar pescando e cuidar de nossas famílias. Enquanto tivermos paz e comida, seremos felizes”, declara.
Por: Nações Unidas Brasil
Foto: Nações Unidas Brasil