Convenção Clima da ONU vê a necessidade de equilíbrio de gênero na diplomacia climática

As mulheres são metade da população mundial e as mais impactadas pelos efeitos do aquecimento global. Porém, não estão representadas nas principais esferas de decisão referentes às mudanças climáticas. Entretanto, se depender do grupo de mais de 300 líderes que assinaram uma carta com propostas e soluções concretas para fortalecer a presença de mulheres na equipe de liderança da presidência da COP26, e da campanha SHEChangesClimate, sim, haverá mais igualdade de gênero nas tomadas de decisão. A campanha lançada na semana dos cinco anos do Acordo de Paris exige uma maior representatividade feminina na próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em Glasgow, na Escócia, em 2021.

A campanha foi divulgada durante a Conferência de Parceria para Emergências Planetárias, organizada pela presidente e diretora de Clima e Sustentabilidade, a assessora da ONU, Elise Buckle. A carta é referendada com as assinaturas de cientistas, acadêmicas, profissionais da área da cultura, dos negócios e da tecnologia. Entre elas, firmaram a ganhadora do Prêmio Nobel e a membro da House of Lords of the United Kingdom, a Baronesa Goudie; ativistas como Rosamund Adoo-Kissi-Debrah; líderes de ONGs como Jennifer Morgan, do Greenpeace, e líderes de empresas de tecnologia como Kate Brandt, do Google.

Para a estrategista e autora de “All We Can Save”, Katharine K. Wilkinson, a crise climática é também uma crise de liderança. Para ela, as mulheres são vozes vitais e agentes de mudança. Para isso, é preciso uma representação verdadeira e igualdade de gênero. Apesar do governo britânico ter assinado um plano de Ação de Gênero, que destaca a importância da inclusão das mulheres e da igualdade de gênero nos processos de discussão e tomada de decisão sobre mudanças climáticas, atualmente, a equipe que lidera a organização da COP26 é dominada por homens. Há menos de 25% de mulheres em posições de liderança.

“A presidência da COP26 é um teste do compromisso do Reino Unido com a igualdade de gênero. As mulheres são metade da população e devem ocupar metade da mesa principal. Isso é bem compreendido pelo público e esperado pela comunidade climática global. No momento, o Reino Unido está falhando no teste de liderança política e enviando o sinal errado. O governo deve agir agora para garantir uma representação igual na tomada de decisões da COP26”, opina a chefe executiva da rede parlamentar Globe International, Malini Mehra.

A ex-presidente da República das Ilhas Marshall, Hilda Heine, acredita que é difícil ver como a atual equipe da COP26 – liderada predominantemente por homens – garantirá que as vozes e necessidades das mulheres sejam ouvidas. “A luta pela justiça climática é também a luta pela justiça racial, de gênero, sexual e econômica. É triste que em 2020 as mulheres estejam sendo excluídas dos preparativos vitais necessários para fazer da Cúpula do Clima da ONU em Glasgow um sucesso. Os impactos de gênero das mudanças climáticas significam que devemos garantir um equilíbrio entre homens e mulheres em todos os níveis, especialmente dentro da equipe de gestão sênior da COP26”, complementa Hilda.

A importância do equilíbrio de gênero na COP26

Em uma conversa virtual promovida pela Conferência de Parceria para Emergências Planetárias sobre liderança feminina na COP26 participaram Katharine Wilkinson (professora e estrategista), Emma Grace Wilkinson (coordenadora Arctic Angel, Global Choices e MSc Meio Ambiente, Política e Sociedade, UCL); Elise Buckle (presidente e diretora do Climate & Sustainability, Advisor to the UN), Antoinette Vermilye (cofundadora da Gallifrey Foundation), Bridget Burns (diretora da Women’s Environment & Development Organization), Fahana Yamin (fundadora da Track 0, advogada climática) e Lily Cole (modelo e ativista). Os principais pontos da carta proposta da participação feminina ser proporcional na liderança da COP26 e demais esferas de decisão foram ratificados e aprofundados.

Para Emma, a necessidade de colaborar ao invés de competir, como uma característica das mulheres, é essencial para atingir as metas de desenvolvimento sustentável. Já Lily observou que os negócios e iniciativas social e ambientalmente sustentáveis são muito mais elevados entre as mulheres empresárias. Conversas entre gerações que trazem uma perspectiva tão forte de equidade são fundamentais, de acordo com Katherine. O debate também seguiu nos comentários sobre como os papéis de gênero são criados e recriados por meio de estruturas patriarcais. Como a sugestão de se pensar que o pensamento sistêmico é um efeito dos papéis de gênero que as mulheres desempenham, em vez de qualquer habilidade da natureza inata que seja específica apenas para as mulheres. E surgiu a recomendação de que pode ser crítico entender como nossos sistemas de gênero (patriarcado e supremacia branca) impactaram as formas de estar na sociedade, mas que estes são transversais a todas as pessoas se pudermos desafiar essas estruturas.

Diversidade traz resultados mais sólidos e eficazes

É evidente o reconhecimento de que a inclusão de mulheres em equipes de liderança leva a resultados melhores e mais eficazes. Portanto, é importante o papel da UNFCCC ao apoiar o equilíbrio de gênero, pois os impactos das mudanças climáticas afetam desproporcionalmente os meios de subsistência das mulheres. Sobretudo os relacionados à segurança alimentar, ao aumento dos níveis de violência, como também aos problemas que as impedem de se envolver de forma mais ativa na Educação e na Economia Verde.

De acordo com a Conferência de Parceria para Emergências Planetárias, existe a necessidade de equilíbrio de gênero na diplomacia climática. Ademais, é amplamente reconhecido o papel das mulheres como fundamental no combate ao clima e à emergência ecológica. Para que seus interesses sejam adequadamente considerados nas respostas às políticas de mudança climática, as mulheres precisam estar envolvidas no planejamento estratégico e na tomada de decisões.

Ainda de acordo com o texto da carta proposta sobre uma maior representatividade feminina na COP26, as evidências mostram que envolver as pessoas que serão afetadas na tomada de decisões influencia o apoio às políticas entre o público. A falta de equilíbrio de gênero nas principais decisões políticas sobre o clima também tem mais probabilidade de impedir uma ação eficaz para se enfrentar a emergência climática. Uma tomada de decisão mais inclusiva e participativa melhora a qualidade da tomada de decisão, porque reflete e incorpora uma gama mais ampla de perspectivas e conhecimentos.

A inclusão de mulheres também leva a resultados mais sólidos na implementação dessas decisões e ações. “Precisamos de uma equipe de todos os talentos, e que deve ser diversa em todos os aspectos”, analisa a diretora-geral da organização de empregadores do Reino Unido, a CBI (Confederation of British Industry, sigla em inglês), Carolyn Fairbairn.

A UNFCCC entende que as mulheres e os homens vivenciam e moldam as mudanças climáticas de maneiras muito diferentes. No geral, as mulheres tendem a apoiar mais as políticas e mudanças de estilo de vida para lidar com as mudanças climáticas. E também compreende que, como os desafios que enfrentamos hoje no clima e na emergência ecológica são sem precedentes, eles exigem uma abordagem nova. As mentes mais brilhantes e as soluções mais criativas são necessárias para se enfrentar os desafios de hoje.

A ativista climática da Friends of the Earth, Muna Suleiman, disse que as mulheres e crianças têm 14 vezes mais probabilidade do que os homens de sofrer impactos diretos de desastres naturais e colapso climático, mas são regularmente excluídas da tomada de decisões que deveriam mudar coisas. Quando as mulheres desempenharam um papel decisivo nas negociações anteriores sobre o clima da ONU nos últimos tempos, isso resultou em ações e resultados climáticos ousados, apesar da oposição significativa.

Por: Tatiane Matheus | ClimaInfo

Foto: ClimaInfo