A corrupção costuma ser associada ao setor público, mas pesquisa da ICTS deixa claro que as empresas também convivem diariamente com o problema.
Por Paulo Itacarambi*
O jornal Valor Econômico publicou, nesta segunda-feira (10/6), matéria a respeito de uma pesquisa que nos deixa bastante preocupados com a possibilidade ou não de as empresas de fato implantarem uma gestão sustentável dos seus negócios.
Realizado pela ICTS, consultoria brasileira em gestão de riscos de negócios, o estudo “O Perfil Ético dos Profissionais nas Corporações Brasileiras” mostra que 80% deles convivem bem com a falta de ética. E detalha: desses 80%, 69% se declaram éticos dependendo das circunstâncias e 11% tendem a não cumprir as normas éticas da empresa. Outro dado relevante é que metade dos profissionais brasileiros se inclina a adotar atalhos antiéticos para atingir suas metas.
Outro número surpreendente é o dos que declararam que furtariam valores consideráveis (bens ou equipamentos de trabalho como laptops): 18%. O estudo destaca ainda que 38% desses funcionários aceitariam receber dinheiro para favorecer um fornecedor.
O levantamento foi realizado com mais de 3.000 profissionais de 45 empresas do país, metade dos quais ocupavam cargos de gestão e a outra metade, cargos técnicos e operacionais. O estudo resultou numa alarmante conclusão: a falta de alinhamento e comprometimento com a ética da empresa pode acontecer em qualquer grupo ou nível hierárquico.
Comumente, a corrupção é associada ao setor público, mas essa pesquisa deixa claro que as empresas também convivem diariamente com esse problema. Partindo dessa constatação, surge o impasse: como uma empresa conseguirá ter um negócio sustentável e responsável se os seus funcionários não forem socialmente responsáveis?
A resposta é que ela não consegue. E o ponto central dessa questão está na formalização, divulgação e prática de valores éticos dentro das empresas. Mas como fazer com que os valores não fiquem apenas escritos em publicações e quadros, mas orientem de fato as tomadas de decisão?
Existem alguns caminhos para isso. Um começo pode ser a criação de uma política de sustentabilidade, que deverá basear-se não apenas nos princípios do triple bottom line (social, ambiental e econômico), mas numa quarta dimensão, a ética, em todas as esferas e camadas sociais.
Outro passo importante é a elaboração de um código de ética, com a participação dos funcionários, ou de um manual de conduta. Para que esse código faça sentido dentro da empresa, os líderes devem dar o exemplo, além de reforçar e divulgar constantemente comportamentos exemplares. Na pesquisa mencionada, constatou-se que 33% dos gestores usariam dados confidenciais da companhia para tirar proveito próprio ou favorecer terceiros em prejuízo da empresa. Isso deixa claro que o exemplo deve vir da liderança, acima de tudo. Uma coisa é estabelecer sistemas de valores e outra é dar exemplos. De nada adianta uma empresa ter uma série de condutas pré-estabelecidas se nem seus altos executivos, os mesmos que estabeleceram e aprovaram tais regras, as cumprem. É preciso que todos o façam para que os funcionários se sintam motivados a também fazê-lo.
Afinal, uma empresa só é bem-sucedida se coloca todos numa mesma direção. É preciso criar uma colaboração entre as pessoas, e a base dessa colaboração são os valores.
Além disso, devem ser criados canais de reclamação, como ouvidorias e comitês de ética, para que os funcionários possam comunicar atos de corrupção ou qualquer comportamento que não esteja alinhado aos valores da empresa.
Com ações como essas, as empresas começam a se firmar um pouco mais no caminho dos negócios sustentáveis. Mas elas podem dar um passo além ao colaborar com a sociedade em que estão inseridas, ajudando na construção de políticas públicas e participando de grupos e ações anticorrupção. Como é o caso do Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, que tem mais de 500 empresas signatárias, comprometidas com um conjunto de diretrizes e procedimentos estabelecidos.
Entre o que foi pactuado pelas empresas participantes está a elaboração e aprovação de um código de conduta ou políticas de integridade que expressem de forma inequívoca as políticas adotadas em relação a sistemas de integridade e combate à corrupção dentro da empresa.
Para gerar conhecimento em torno do pacto empresarial, o Instituto Ethos criou o Grupo de Trabalho pela Integridade e Combate à Corrupção, que desde 2007 trabalha arduamente com essas questões e procura promover entre as empresas o aprendizado por meio da disseminação de práticas que deram certo e que as auxiliaram a trilhar esse caminho.
O GT lançou ainda publicações que auxiliam as empresas a formular e implantar um código de ética e entender como se dá todo esse processo. A publicação Formulação e Implantação de Código de Ética em Empresas – Reflexões e Sugestões discute meios de como fazer com que a equipe incorpore o código de ética e o assuma em suas atividades cotidianas.
Outra iniciativa que ajuda as empresas a estabelecer seus valores para seus públicos e para a sociedade é o Cadastro Nacional de Empresas Comprometidas com a Ética e a Integridade – Cadastro Empresa Pró-Ética –, uma iniciativa da Controladoria-Geral da União e do Instituto Ethos que avalia e divulga as empresas voluntariamente engajadas na construção de um ambiente de integridade e confiança nas relações comerciais, inclusive naquelas que envolvem o setor público.
O Cadastro Empresa Pró-Ética dá visibilidade às companhias que compartilham a ideia de que a corrupção é um problema que deve ser prevenido e combatido não só pelo governo, mas também pelo setor privado e pela sociedade. Ao aderir ao Cadastro Empresa Pró-Ética, a organização assume o compromisso público e voluntário, perante o governo e a sociedade, de adotar medidas para prevenir e combater a corrupção dentro de sua instituição, em favor da ética nos negócios.
Além do reconhecimento público, a empresa terá também o benefício de contar com atenuantes previstas na Lei de Responsabilização da Pessoa Jurídica, caso venha a ocorrer algum problema que não consiga evitar.
Um caso prático
A Samarco, empresa do setor de mineração, tem um caso de boas práticas sobre o combate à corrupção que vale ser citado por ter mobilizado todos os seus colaboradores.
Em junho de 2002, quando completou 25 anos, a empresa publicou pela primeira vez seu código de conduta – um conjunto de normas e princípios éticos a serem adotados por todos os profissionais ao estabelecer relações com seus diferentes públicos de interesse. A essência do documento traz políticas e práticas que foram adotadas pela gestão: o caráter colaborativo e a visão de longo prazo, ambos focados no desenvolvimento sustentável da companhia.
O código passa por revisões anuais e é entregue a todos os funcionários (independentemente de cargos hierárquicos), às empresas contratadas e aos fornecedores, os quais assinam um termo comprometendo-se a respeitá-lo assim que o recebem.
Desde 2008, os funcionários da Samarco são convidados a participar das revisões do código, modelo de governança que confere maior transparência ao documento e ao mesmo tempo revigora o sentimento de pertencimento de toda a organização, colaborando para a motivação de todos no cumprimento das ações.
Mas seus funcionários sempre foram envolvidos em todo o processo. Para a elaboração do seu código de conduta, a Samarco promoveu debates e diálogos com seus empregados e definiu uma comissão para coordenar o trabalho. A empresa consultou também outros códigos de ética e teve o apoio de uma assessoria especializada na área de recursos humanos.
Hoje, a postura da empresa é monitorada pela ouvidoria, que atua como um canal acessível para quem deseja tratar de questões delicadas, como denúncias sobre comportamento inadequado ou abuso de poder. O ouvidor, também chamado de ombudsman, é o profissional encarregado de receber as reclamações e investigá-las.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.