Tendo conquistado altos índices socioambientais e econômicos, o país quer agora discutir o papel social das suas empresas em outros países.
Por Jorge Abrahão*
A convite do governo da Noruega, tive a oportunidade de participar da CSR Conference Oslo 2012
, que se realizou nos dias 13 e 14 de novembro. Exemplo de que um país pode ter alta qualidade de vida, meio ambiente preservado, comportamento ético e economia altamente produtiva, a Noruega quer ir além dessas conquistas e discute o papel social das suas empresas atuando em outros países. Realizada para isso, esta conferência foi importante também para discutir temas estratégicos de gestão sustentável para todas as empresas e todos os governos do mundo.
A Noruega é um país que invariavelmente está entre os primeiros no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Não por acaso, também está nos primeiros lugares do ranking da Transparência Internacional, que mede a percepção de corrupção e de educação.
No que tange ao meio ambiente, a Noruega também é exemplo a ser seguido. As Universidades de Yale e Columbia, nos EUA, criaram o Environmental Performance Index (Índice de Desempenho Ambiental) para medir a conduta ecológica dos países. Esse índice foi divulgado pela primeira vez em março deste ano e a Noruega aparece em terceiro lugar, abaixo apenas da Suíça e da Letônia. O Brasil ocupa a trigésima colocação.
Para mostrar que meio ambiente, ética e inclusão social podem andar junto com crescimento econômico, a economia norueguesa é uma das vinte mais competitivas do mundo, de acordo com levantamento anual feito pelo Fórum Econômico Mundial.
Não satisfeita com todos esses indicadores, a Noruega quer ir além. Está agora preocupada, por exemplo, com o comportamento das empresas norueguesas que atuam em outros países e como essa atuação pode repercutir na reputação do país. Assim, com o objetivo de aprofundar os grandes dilemas do assunto, o governo norueguês organizou uma grande conferência sobre responsabilidade social empresarial (RSE), para a qual convidou empresas e entidades do mundo inteiro.
Qualidade de vida e RSE
O ministro das Relações Exteriores da Noruega, Espen Barth Eide, abriu a conferência destacando uma importante questão: o segredo do grau de desenvolvimento e de qualidade de vida que a Noruega alcançou. O país atingiu esse alto patamar por conta de um pacto feito ainda nas primeiras décadas do século passado, que definiu diretrizes a serem seguidas pelos governos, independentemente do partido que estava no poder. O pacto vigora até hoje. Três dimensões são inegociáveis: a democracia, a educação e a equidade (há limites para a concentração de renda e para a desigualdade social).
Assim sendo, o Legislativo aprovou medidas que garantem ao Executivo fazer o Estado funcionar como um “distribuidor” de renda, quando a concentração passa de certo patamar. O certo é que se tornou perceptível a qualquer cidadão, no país e fora dele, o alto grau de desenvolvimento que a sociedade alcançou.
Tais conquistas também se deveram a uma alta carga tributária, mas que retornou fortemente para os cidadãos, que têm acesso privilegiado aos mais variados serviços públicos, desde saúde e educação gratuitas e de alta qualidade até taxas de luz e água baixíssimas.
Observe-se que, no Brasil, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar projeto que obriga as empresas a informar o valor dos tributos aos consumidores. A exposição desses dados deverá ser feita na nota fiscal. Com isso, o consumidor saberá, no ato da compra, o peso da carga tributária e poderá cobrar por investimentos sociais que melhorem efetivamente a vida de qualquer cidadão.
Na Noruega, o próximo passo no que diz respeito à RSE será a aprovação de uma lei que obriga as empresas a apresentarem relatórios socioambientais. Quer dizer, além do balanço financeiro, as empresas norueguesas terão de apresentar o balanço de seus impactos nas questões sociais e ambientais. Outros países da Europa já possuem essa legislação, como a Dinamarca e a França.
Este será um caminho que muitos países devem seguir em futuro próximo. O que é hoje uma ação voluntária das empresas passará a ser uma obrigação legal.
Por isso é muito importante que as empresas antecipem a legislação e desde já ajustem suas ações para apresentarem esses relatórios. Aquelas que planejam o longo prazo já vêm fazendo assim.
Os princípios e objetivos do Global Compact
Em seguida ao ministro Eide, foi a vez do diretor-executivo do Global Compact da ONU, Georg Kell, que explicou de onde surgiu a ideia desse organismo. Como a ONU lida com governos, o ex-secretário-geral da entidade Kofi Annan, sentindo a falta de diálogo com o setor empresarial, criou o Global Compact, que se tornou o braço corporativo da ONU, com a função de envolver as empresas nos objetivos de melhoria da qualidade de vida da população mundial.
Uma das primeiras ações do Global Compact foi comprometer as empresas com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), um esforço para sintetizar acordos internacionais alcançados em várias cúpulas mundiais ao longo dos anos 1990 em oito compromissos concretos que, se cumpridos no prazo fixado (até 2015), segundo os indicadores quantitativos que os acompanham, devererão melhorar o destino da humanidade neste século. Entre os ODM, estão erradicar a pobreza, atingir o ensino básico universal e garantir a sustentabilidade ambiental.
No Brasil, muitas empresas se envolveram e trabalharam metas assumidas pelos governos até 2015, como: reduzir pela metade a proporção da população com renda abaixo da linha da pobreza; garantir que todas as crianças terminem o ensino básico; e garantir trabalho digno e produtivo para jovens. As ações empresariais brasileiras em favor dos ODM tornaram-se referência mundial sobre o papel social da empresa.
O Global Compact criou uma série de princípios para guiar a atuação das empresas pelo mundo e hoje tem representação em 101 países, reunindo em torno de 7.000 empresas, as quais foram instadas a respeitar dez princípios referentes a quatro temas: direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção.
Hoje o objetivo do Global Compact é se expandir e reunir 20 mil empresas até 2020. Além disso, ele quer que essas empresas apresentem relatórios de progresso sobre o que estão fazendo concretamente, para evitar as que só querem se beneficiar da associação de sua imagem à ONU. Há aproximadamente um ano, o Global Compact desfiliou 3.000 empresas que não apresentaram esse relato.
Direitos humanos e empresas
Michel Addo, do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da ONU, falou na sequência. Ele reforçou a importância de que o tema não diz respeito apenas a questões políticas. Os direitos humanos precisam estar também na gestão das empresas e há um modelo a seguir, proposto pelo professor norte-americano John Ruggie, representante especial do secretário-geral da ONU para assuntos de direitos humanos. Ele desenvolveu os Princípios Norteadores para Empresas e Direitos Humanos, que se baseiam em três pilares:
– o dever do Estado de proteger os cidadãos contra os abusos aos direitos humanos por parte de terceiros, inclusive empresas;
– a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos; e
– fácil acesso das vítimas a recurso efetivo, judicial e extrajudicial.
Esses pilares estabelecem, pela primeira vez, um padrão internacional para avaliar e prevenir os riscos relativos aos direitos humanos em cada ramo de atividade. Eles também vão permitir que governos, investidores e a sociedade civil verifiquem o real progresso do tema na vida cotidiana das pessoas.
O assunto é crítico, pois não faltaram nesse debate apelos emocionais. Um dirigente de um sindicato internacional de trabalhadores, ao reclamar das condições de trabalho no Qatar propôs, de maneira inflamada, uma campanha: ou os direitos dos trabalhadores são respeitados no Qatar ou não haverá Copa do Mundo por lá em 2020.
O certo é que a ação das empresas tem um forte impacto pelo mundo. Enquanto não houver uma ação multilateral que encaminhe nossos problemas ambientais e sociais por meio dos governos, as empresas acabarão ocupando esse espaço e, com todas as suas limitações, passarão a ser a mais importante correia de transmissão de políticas públicas globais, ao levarem suas práticas de um país para outro, o que idealmente deveria ser feito pelos governos.
Portanto, enquanto não conseguimos construir uma governança global para encaminhar os dilemas que vão além das fronteiras geográficas entre os países e das relações deles com a ONU, fica ainda limitada a resolução de questões bélicas, o que é um reducionismo impensável diante dos desafios que hoje temos. As empresas desempenham um papel importante no mundo e conferências como esta de Oslo, realizadas por governos de países que querem ir além da área de conforto, como a Noruega, contribuem nessa direção.
* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.