O conceito de capital natural nos ajuda a entender a base na qual toda a economia se apoia e, consequentemente, os limites para seu crescimento.
Por Roberto Strumpf*
O ano de 2012 será lembrado como um dos piores da História para a já tão desgastada sustentabilidade. Pode-se dizer que um dos poucos resultados positivos, advindos principalmente da Rio+20, foi a maior compreensão da importância do capital natural para o bem-estar compartilhado e perene e da necessidade de políticas públicas e empresariais que reconheçam o valor desse bem comum. Apesar do balanço negativo do ano passado, esse avanço merece ser comemorado.
O capital natural representa a somatória de todos os benefícios que os ecossistemas equilibrados fornecem ao homem, dos mais tangíveis, como água potável, alimento e madeira, aos mais abstratos, como o valor espiritual e cultural que os ambientes naturais representam para diversas comunidades. Esses benefícios, ou serviços ecossistêmicos, são fruto de um maquinário extremamente complexo, cujas peças são os diversos genes e espécies encontrados em nosso planeta, ou seja, a biodiversidade.
O conceito de capital natural nos ajuda a entender a base na qual toda a economia se apoia e, consequentemente, os limites para seu crescimento. É nesse capital que está considerada a capacidade do planeta de fornecer os recursos naturais que alimentam a economia e de reciclar e absorver seus resíduos. Essa capacidade, por sua vez, é possibilitada por um funcionamento cíclico que se alimenta de um equilíbrio complexo e dinâmico entre as espécies e seu meio.
Durante todo o desenvolvimento da sociedade moderna, os serviços ecossistêmicos funcionaram perfeitamente, criando a concepção errônea de que o capital natural tinha oferta infindável. Tal concepção levou a economia a se desenvolver de forma linear, traçando uma via de mão única entre recursos naturais e resíduos. Alem disso, gerou uma falha no sistema econômico chamada de “externalidades”, cuja principal causa é a não valoração desse capital e, como consequência, a criação de um sistema que privatiza os ganhos econômicos, mas socializa as perdas ambientais.
Nas últimas décadas, o crescimento populacional e o aumento do consumo per capita fizeram com que os fluxos de matéria e energia entre os dois polos dessa economia linear aumentassem em intensidade e volume, extrapolando a capacidade do sistema natural cíclico de se regenerar. Dessa forma, temos hoje uma economia que rompe os limites do capital natural e, como consequência, esgotamos a base dessa economia a cada ano que passa.
Para dar uma ordem de grandeza ao problema, estamos consumindo o equivalente a 1,5 planeta Terra por ano. Essa conclusão foi tirada do relatório de 2010 da Global Footprint Network, iniciativa que trata da pegada ecológica. O relatório analisa uma grande variedade de serviços ecossistêmicos e os traduz em área necessária da superfície do planeta para sustentá-los. Segundo esse estudo, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) são a principal causa da tendência do planeta a um eventual colapso ecológico (55% da pegada ecológica global), conforme gráfico abaixo.
O setor privado é hoje um dos principais responsáveis por essa pegada ecológica insustentável. No entanto, devido ao seu radar aguçado, força econômica e agilidade em implementar mudanças, ele pode ser também o grande provedor de soluções para moldar a economia ao novo paradigma imposto pelos limites do capital natural, além de encontrar grandes oportunidades nessa jornada. Para isso, práticas empresariais devem refletir a compreensão de sua dependência em relação aos serviços e produtos fornecidos pela natureza e de que os recursos finitos desta devem ser totalmente valorados e geridos para um crescimento e uma prosperidade de longo prazo.
A implementação dessa nova gestão corporativa depende de ferramentas que permitam às empresas considerar o capital natural em seus balanços financeiros anuais. Não existe ainda uma metodologia para isso adotada em larga escala, mas já podemos identificar uma série de projetos interessantes que apontam o caminho da inovação. É o caso da iniciativa implementada pela empresa de material esportivo Puma, que em 2011 resultou na publicação do seu primeiro relatório sobre lucros e prejuízos ambientais, um dos experimentos pioneiros do gênero no mundo (veja aqui o documento na íntegra). Para isso a empresa desenvolveu uma metodologia que quantifica o consumo de água, as emissões de GEE, o uso da terra e a geração de resíduos de suas operações diretas e de sua cadeia de fornecedores e aplicou valores que pudessem converter essas medições em impactos econômicos. Com esse novo método de valoração, a empresa pode compreender melhor sua dependência em relação aos recursos naturais e, consequentemente, como buscar oportunidades e garantir a resiliência de suas operações.
Iniciativas inovadoras como esta são impulsionadas pela compreensão cada vez maior de que o sistema econômico tradicional tornou-se grande demais para manter seu formato e por isso uma quebra de paradigmas será necessária. O século XXI será marcado pela transição definitiva do antigo capitalismo, focado apenas no shareholder, com visão imediatista e competitividade insustentável, para o novo capitalismo a serviço dos stakeholders, cuja visão integrada possibilitará o bem-estar compartilhado e, consequentemente, uma competitividade de longo prazo para o setor privado. As empresas serão protagonistas nessa história e o sucesso irá depender de suas habilidades de colocar o planeta e as pessoas no centro de suas estratégias corporativas.
* Roberto Strumpf é especialista em mudanças climáticas e em serviços ecossistêmicos e diretor da Pangea Capital.
Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.
Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, por Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, por Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, por Lélio Lauretti; e
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, por Cláudio Boechat.