Questionados sobre participação na comissão que vai acompanhar as investigações sobre suposto cartel em licitações, queremos aqui esclarecer.
Por Paulo Itacarambi*
Corre a lenda de que agosto é o mês de grandes debates na política brasileira. Em 2013, parece que a lenda se confirma. Nenhum movimento ainda supera as mobilizações de junho, mas os veículos de comunicação já têm um novo assunto para tratar: as investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a respeito do suposto cartel em licitações de trens e metrôs em diferentes Estados do Brasil, que envolve empresas como Alstom, Bombardier, CAF, Mitsui e Siemens, entre outras.
Segundo informações da imprensa, as investigações foram ativadas a partir de denúncias da Siemens, que apontou formação de cartel e outras supostas irregularidades na construção do metrô de São Paulo e também no fornecimento de trens para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), contratos sob a jurisdição do governo paulista.
Diante dos documentos apresentados pela Siemens, o Cade iniciou a investigação de 16 contratos e 31 licitações da Companhia do Metrô e da CPTM que vão de 1998 a 2008. Por sua vez, o governo de São Paulo, por meio do Ministério Público Estadual, solicitou vistas a esses documentos e determinou que a Corregedoria-Geral da Administração (CGA) também iniciasse uma investigação paralela a respeito do assunto.
Na última quinta-feira, dia 8, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, convidou doze entidades da sociedade civil para integrarem uma comissão que tem por objetivo fazer o acompanhamento dessas investigações da CGA.
O Instituto Ethos foi uma dessas entidades convidadas, junto com a Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, da Comissão de Controle Social de Gastos Públicos, da Transparência Brasil, do Conselho de Transparência da Administração Pública, da Comissão Geral de Ética, da Associação Brasileira de Imprensa em São Paulo (ABI-SP), da Ordem dos Economistas do Brasil, da Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (Fipe) e do Instituto Tellus de Desenvolvimento Humano.
Segundo informações do governo paulista, essa comissão terá por objetivo fazer o acompanhamento das investigações da CGA, que são as mesmas do Cade.
Temos sido questionados pelo site, pelo Facebook e por blogs a respeito de nossa participação nessa comissão. Por isso, gostaríamos de esclarecer.
Por que o Instituto Ethos participa dessa comissão do governo estadual?
Porque acreditamos que, se houver transparência absoluta em todos os seus procedimentos, se seus integrantes tiverem acesso às informações disponibilizadas pela CGA e puderem divulgá-las livremente para a sociedade e, mais, se essas investigações não deixarem dúvidas a respeito da relação das empresas com o Estado, apurando todos os contratos de todas as empresas envolvidas no suposto cartel, então essa comissão terá representado um avanço para a transparência e o controle social na gestão pública.
Pelo noticiário recente, existe a possibilidade de esse suposto cartel ter atuado também em outros Estados. Se isso se comprovar, o exemplo de São Paulo será muito mais emblemático, porque poderá indicar como promover uma investigação com participação e controle da sociedade civil organizada.
Mas essa comissão não é ilegítima?
Essa é outra pergunta que nos fazem: como aceitamos participar de uma comissão que tem sua legitimidade contestada? Outros ainda defendem que o assunto deveria ser tratado em outros âmbitos, como, por exemplo, uma CPI. Lembramos que essa comissão não fará investigações, só vai acompanhar os trabalhos da CGA, podendo sugerir caminhos e ações no processo de apuração. É importante perceber que essa comissão poderá complementar trabalhos realizados em outros âmbitos e que seu funcionamento poderá resultar na criação de novos direitos para a sociedade civil, inclusive o de acompanhar investigações.
Basta a comissão para dar transparência às investigações?
Não. Ela é mais um mecanismo e não substitui os demais. Todos são importantes neste momento.
Não existe conflito de interesse do Ethos? Ele não está fazendo o jogo de uma das partes?
Siemens e Alstom, duas das empresas citadas nessa investigação, estão entre as associadas ao Ethos e também entre aquelas que patrocinam ações da entidade. Esse fato é público e o Ethos fez questão de divulgá-lo assim que o assunto ganhou as manchetes.
O questionamento da participação sob o ponto de vista do conflito de interesse também não se justifica, porque o Ethos não representa o interesse específico de nenhuma empresa e sempre atuou de forma independente de seus financiadores, bem como de qualquer partido político ou poder público.
Trabalhamos com as empresas por uma agenda de mudanças das práticas empresariais e do país. Sempre que houve conflito entre essa agenda e os interesses de uma empresa, não tivemos dúvidas em defender publicamente a agenda.
De mais a mais, as empresas associadas não decidem sobre os rumos e as ações do instituto. E, desde a nossa fundação, temos sido convidados a participar de comissões e conselhos da sociedade civil, do poder público e das organizações de mercado, justamente por termos uma atuação junto ao mundo empresarial reconhecidamente independente. Participamos, por exemplo, do Conselho Nacional da Transparência Pública e Combate à Corrupção, instituído pelo governo federal em 2004; do comitê do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), desde o seu início em 2005; e da Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci), como uma das entidades fundadoras, em janeiro de 2009.
Estamos conscientes dos riscos políticos, financeiros e de reputação envolvidos na decisão de participar dessa comissão, mas consideramos que podemos dar uma contribuição relevante ao processo e que o momento apresenta uma oportunidade de avanço na agenda da promoção da integridade e do combate à corrupção.
No contexto nacional
É importante destacar que esse novo caso de corrupção – suposta formação de cartel – ocorre no momento em que está para entrar em vigor a Lei de Responsabilização Civil e Administrativa da Pessoa Jurídica, por alguns chamada de Lei Anticorrupção Empresarial. Entre outras medidas, essa lei prevê a criação da “lista suja” das empresas corruptoras, que será um importante instrumento de ação do mercado, como tem sido a “lista suja” do trabalho análogo à escravidão.
Por fim, é sempre bom ressaltar que a apuração rigorosa dos fatos relacionados ao suposto cartel, bem como a responsabilização e punição dos envolvidos, contribuirá muito para criar referência e mecanismos que desenvolvam processos de ampliação da integridade pública e privada.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.