Pesquisa mostra que 3,7 milhões de crianças e adolescentes brasileiros ainda estão fora da escola. Até 2015, o país precisará absorver esse contingente.
Por Paulo Itacarambi*
A pesquisa Iniciativa Global pelas Crianças Fora da Escola, divulgada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, mostra que 3,7 milhões de crianças e adolescentes brasileiros ainda estão fora da escola. Até 2015, o Brasil precisará colocar esse contingente no ensino fundamental para cumprir o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 2 – Educação Básica de Qualidade para Todos. E as empresas podem colaborar muito, aplicando a Lei do Aprendiz.
Em 2009, um levantamento global do Unicef sobre escolarização de crianças e jovens mostrou que ainda há no mundo todo pelo menos 72 milhões de crianças em idade escolar fora do ensino fundamental. Diante de tal fato, esse órgão da ONU deu início à iniciativa global “Pelas Crianças Fora da Escola”, que está analisando a exclusão e os riscos de abandono escolar em 25 países, entre os quais o Brasil. Aqui, o estudo vem sendo feito em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ONG que desde 1999 atua pela efetivação do direito constitucional à educação no país. O levantamento tem por objetivo estabelecer o contingente de crianças e jovens fora da escola e por que isso ocorre.
Tendo como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, o estudo obedeceu a mesma estrutura dos demais países, com três focos: perfis das crianças e jovens fora da escola; gargalos e barreiras que impedem crianças e jovens de ter acesso ou de permanecer na escola; e as políticas e iniciativas que promovem o acesso e a permanência na escola.
Conclusões gerais
O estudo conclui que, no que tange ao acesso e à permanência das crianças na escola, reduzir as desigualdades ainda é o principal desafio.
O Brasil possui quase 40 milhões de brasileiros e brasileiras entre 4 e 17 anos, 10% das quais ainda estão fora da escola. Se o percentual parece baixo, os números absolutos mostram que governos e sociedade ainda têm muito a avançar para tornar a educação um direito de todos.
De modo geral, as crianças e jovens fora da escola são negras, com renda familiar de até meio salário mínimo e moradoras do Norte e Nordeste do país.
Por faixa etária, há 1,5 milhão de crianças entre 4 e 5 anos, 375 mil na faixa entre 6 e 10 anos, 355 mil entre 11 e 14 anos e 1,5 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos.
Se no ensino fundamental o Brasil está bem próximo da universalização, com 98% das crianças entre 6 e 14 anos na escola, ainda está longe de alcançar o mesmo percentual em relação às crianças até 5 anos e aos adolescentes de 15 a 17 anos. Eles representam hoje o maior contingente fora da escola.
Atualmente, apenas 18,4% das crianças até 3 anos frequentam creches e as maiores desigualdades se dão pela renda. Apenas 11% das crianças das famílias mais pobres estão matriculadas, enquanto entre os mais ricos essa porcentagem é de 34%. Entre 4 e 6 anos, a frequência das crianças mais ricas é de 93,6% e das mais pobres, de 75,2%.
Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, 85% frequentam a escola, mas apenas 50,9% estão no nível de ensino adequado à idade, ou seja, matriculados no ensino médio. Também há diferença no acesso ao ensino médio entre brancos e negros: 60,3% ante 43,5%. Quando se considera a renda familiar, enquanto 31,3% dos jovens de 15 a 17 anos do grupo mais pobre cursam o ensino médio, entre os mais ricos a taxa é de 72,5%.
O Unicef ressalta também que ainda há 4,3 milhões de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos que trabalham em média 26 horas semanais. Isso é apontado como o principal motivo da desistência de completar os estudos.
Há 214 mil crianças entre 6 e 10 anos que estudam e trabalham, sendo que 145 mil são negras. Entre 11 e 14 anos, elas são pouco mais de 1 milhão, 64% negras.
Entre 15 e 17 anos, quase 2,2 milhões trabalham e estudam, sendo que 1,2 milhão são negras e 547 mil vivem no Sudeste.
Ainda no que tange ao ensino médio, dos 11 milhões de estudantes matriculados do país todo, quase 3 milhões (24,2%) estão com idade superior à recomendada para frequentar esse nível de ensino.
Trabalho infantil
O relatório do Unicef também ressaltou que 638.412 crianças entre 6 e 14 anos executam atividades econômicas ou trabalho remunerado por mais de 28 horas semanais. As mais atingidas pelo problema são as crianças negras do sexo masculino das zonas urbanas, oriundas das camadas mais pobres da população. A maioria executa trabalhos remunerados, mas é significativa a parcela de crianças envolvidas no serviço doméstico: mais de 240 mil, das quais cerca de 26 mil trabalham mais de 28 horas semanais. Do total de crianças trabalhadoras de 5 a 14 anos, 6,6% não frequentam a escola.
O papel das empresas
O Unicef, ao final do estudo, encaminha uma série de sugestões de medidas para atuação do Estado, tais como: controle social do financiamento à educação; garantia de acesso a serviços públicos básicos para incentivar a permanência na escola; acesso a cultura, esporte e lazer; valorização do profissional da educação; e fim do trabalho infantil. Todavia, não há menção ao papel que as empresas podem ter para que nosso país supere esse desafio.
Sempre vale a pena ressaltar que o Brasil é a quinta ou sexta economia do mundo, mas não possui ainda um sistema educacional que faça jus a esse status econômico. Um paradoxo. Afinal, sem o conhecimento e a expertise técnica que só os anos de estudo trazem aos profissionais, o país porá em risco o crescimento que vem obtendo nos últimos anos.
Tornar a educação de qualidade acessível a qualquer brasileiro ou brasileira é questão central também para os negócios. E as empresas podem contribuir muito. Em primeiro lugar, eliminando de vez o trabalho infantil no próprio negócio e na cadeia produtiva. Em segundo lugar, oferecendo oportunidade de emprego e carreira a jovens, por meio da Lei do Aprendiz.
Para quem não se lembra, a Lei do Aprendiz foi regulamentada em 2006 e estabelece que empresas de médio e grande porte devem ter em seu quadro de funcionários entre 5% e 15% de aprendizes, descontando os cargos que exigem diploma universitário e tendo por base as funções que demandem formação profissional de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) – funções relacionadas a segurança e serviços gerais, por exemplo, não entram nesse escopo. Pequenas e micro empresas não precisam, mas podem contratar aprendizes, se quiserem.
No âmbito da lei, aprendiz é o jovem que estuda e trabalha, recebendo formação na profissão para a qual está se capacitando. Ele deve cursar a escola regular (se ainda não concluiu o ensino fundamental) e estar matriculado e frequentando instituição de ensino técnico-profissional conveniada com a empresa.
O perfil do aprendiz é o jovem que vem de famílias de baixa renda e que frequenta escola pública. Por meio da aprendizagem, tem acesso a uma especialidade técnica que o torna o profissional de alto nível que a empresa e o Brasil necessitam. Mais do isso, a educação dará condições a esse jovem de superar sua condição inicial, por meio da inserção no mercado de trabalho que lhe permitirá construir outra rede de relacionamentos.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de dezembro de 2011, se todas as médias e grandes empresas tivessem cumprido a Lei do Aprendiz, o país teria criado 1,5 milhão de vagas de aprendizes. Contudo, o ministério registrou, em 2011, o total de apenas 262,9 mil aprendizes no mercado.
Por que essa lei não é cumprida pelas empresas?
* Paulo Itacarambi é vice-presidente do Instituto Ethos.