O feminino pede cooperação, em vez de competição, não é agressivo e, quando intervém na realidade, leva em consideração as consequências desse ato.

Por Paulo Itacarambi*

No Dia Internacional da Mulher, gostaria de fazer um comentário alusivo à data. Mas não vou comentar o avanço da participação feminina do mercado de trabalho, como tenho feito neste espaço, ressaltando que a participação da mulher nos quadros executivos das 500 maiores empresas do Brasil ainda está muito abaixo da equidade desejada. Como mostra a pesquisa Ethos-Ibope 2010 sobre o perfil dessas empresas, as mulheres ainda estão sub-representadas em todos os níveis hierárquicos.

Também não vou me alongar a respeito do fato de que o programa Bolsa Família só está sendo bem-sucedido no seu objetivo de reduzir a pobreza porque escolheu como estratégia dar à mulher a titularidade do cartão. A própria ONU já verificara, em pesquisas feitas nos anos 1990, que a mulher gasta o dinheiro que possui primordialmente com os filhos e a família; o homem, não.

Quero comemorar o Dia Internacional da Mulher deixando uma mensagem aos homens. Homens e mulheres são seres diferentes, mas essas diferenças não podem nem devem ser consideradas uma representação da superioridade de um gênero sobre o outro.

A ideia de que o homem é superior à mulher no mundo do trabalho surgiu junto com a Revolução Industrial e a profunda transformação nos costumes e comportamentos que ela trouxe. Até o advento da indústria e da produção em escala de bens de consumo, as pessoas viviam em aldeias comunitárias, onde todos se conheciam e se cuidavam.

A vida podia ser difícil, mas os velhos não eram abandonados, as crianças sempre tinham teto e alimento e os adultos trabalhavam para contribuir com uma riqueza comunitária. Cada um tinha aquilo de que necessitava. Os chefes tinham autoridade pela sabedoria e influência sobre as pessoas, e não pelos bens acumulados. Homens e mulheres possuíam tarefas diferentes, mas igualmente importantes para o equilíbrio da sociedade e para a continuidade da vida.

A civilização industrial foi destruindo esse modo de vida comunitário em favor de um sistema baseado no individualismo, no acúmulo de riquezas e na supremacia da ciência sobre a natureza. Com isso, a ética do cuidado, tão relevante para a vida comunitária, e desde os primórdios associada à figura feminina, foi relegada ao segundo plano.

O significado central de sustentabilidade é a preservação ou a melhoria das condições que dão suporte à continuidade das atividades humanas e, principalmente, da própria vida. É incompatível, portanto, com os padrões estabelecidos pela civilização da era industrial, de consumo desenfreado, de competição feroz, em que coisas e relações sociais viram mercadorias descartáveis, gerando desperdício, insignificância, indignidade. Tais padrões são insustentáveis.

Está ficando cada vez mais forte a consciência de que precisamos consumir menos, recuperar, reutilizar, reciclar, e quem faz isso “cuida” da vida, porque garante o equilíbrio entre sociedade e natureza.

Nenhuma civilização passada fez tão pouco caso do “cuidar” como a atual, tão orgulhosa de seu progresso. O cuidado é uma ética que, ao estabelecer consensos sobre certo e errado, orientando a distribuição de tarefas em uma comunidade, ajudou a garantir a sobrevivência e o progresso da humanidade.

O cuidado exige respeito pelo outro, pois seus desejos e demandas são tão legítimos quanto os de qualquer um de nós. O desdobramento desse respeito é a cooperação. Por meio dela, construímos uma sociedade mais equânime, em que todos têm possibilidades de suprir suas necessidades.

A visão feminina do mundo é o meio de expressão desse cuidado. O feminino faz lembrar que a vida é finita, que precisa ser acolhida, protegida e alimentada para poder florescer e dar frutos. A vida precisa ser preservada. Se adoece, tem de ser tratada e curada. O feminino pede cooperação, em vez de competição, não é agressivo e, quando intervém na realidade, leva em consideração as consequências desse ato. E isso é responsabilidade. O feminino não é exclusividade das mulheres e hoje é um imperativo.

O ser humano, o meio ambiente e o planeta pedem cuidado e responsabilidade. O cuidado não invalida outras éticas ou maneiras de ser e agir. Mas, a causa maior a que todos devem se vincular é a salvaguarda e a preservação da vida.

Uma das maneiras de tornar a ética do cuidado prevalecente na sociedade é valorizar o feminino e o que ele representa: maior afetividade nas relações. Com isso, vamos valorizar também a participação das mulheres em todos os campos da vida social. E combater a violência contra elas.

Valorizar o feminino significa engajar homens e mulheres na construção de um novo padrão de civilização, com um novo modo de pensar e de se relacionar, mais igualitário, sem apego a hierarquias de dominação e controle, mais afeito à colaboração e parceria.

E qual será o impacto na economia se o feminino for assumido como valor?

Em primeiro lugar, teremos um dilema a resolver: como reconhecer o trabalho materno e paterno de cuidado com as crianças? Nosso modo de produção atual não está preparado e não tem condições de assimilar essa vertente. Precisamos inventar soluções que permitam aos planejadores da economia levar em conta que esse cuidado é “trabalho” e gera “riqueza”, porque garante a formação dos cidadãos de amanhã, que vão dar continuidade aos negócios privados e às políticas do Estado.

O trabalho de proteção ao meio ambiente também precisa ser considerado, pois, sem a natureza e seus recursos, não existe possibilidade de o ser humano sobreviver neste planeta.

Outro aspecto importante no rumo de uma economia de parceria e colaboração é encontrar uma nova maneira de medir a produtividade. Hoje, diversas atividades nocivas ao meio ambiente são contabilizadas no PIB como produtivas, enquanto diversas outras atividades que contribuem para o bem-estar da sociedade não são contabilizadas. Como, por exemplo, o trabalho doméstico, ainda realizado majoritariamente por mulheres.

O que o PIB não contabiliza dificilmente vira política pública. Portanto, para que essa ética do cuidado, esse feminino que já perpassa invisível as nossas vidas, ganhe relevância na economia, é preciso que as lideranças, masculinas e femininas, deem visibilidade a esse trabalho.

Faz parte da responsabilidade dos homens favorecer, no ambiente de trabalho e na sociedade, o desenvolvimento desse “feminino”, incorporando-o em suas ações e criando condições para a valorização da mulher na empresa e na sociedade.

* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.

Legenda da foto: Paulo Itacarambi com a esposa, Patrícia Sogayar, e os filhos, Yasmin e Rafael Yamandu, na Rio+20, em junho de 2012.