Na reunião com o Conselho do Pacto Global, Ban Ki-moon mencionou a tragédia de Bangladesh como exemplo do que não pode mais acontecer.
Por Jorge Abrahão*
O Conselho do Pacto Global da ONU reuniu-se em Nova York, nos dias 6 e 7 de maio de 2013, para discutir o planejamento da entidade até 2016.
Os membros desse Conselho, do qual faz parte o Instituto Ethos, querem atingir o número de 20 mil empresas signatárias dos princípios do Pacto Global, mas querem também evidências mais concretas de que elas estão adotando de fato esses princípios na gestão, para que não ocorram mais tragédias como o desabamento do prédio em Bangladesh, que matou mais de 600 pessoas e deixou muitos prejuízos, para empresas, governos e a sociedade.
O Brasil, que tem mais de 200 empresas signatárias do Pacto Global e boas práticas relacionadas principalmente aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, também pode servir de caso positivo para as empresas envolvidas na tragédia bengalesa. Afinal, em nosso país as grandes marcas do varejo têxtil resolveram encarar o desafio de enfrentar e vencer o trabalho degradante na cadeia de valor. Como muitas delas são marcas globais, podem aplicar o modelo lá fora.
Vamos entender o que é o Pacto Global, as diretrizes de seu planejamento e o exemplo brasileiro.
O Pacto Global (Global Compact) é o braço empresarial da ONU. Tem uma rede constituída pelo Escritório do Pacto Global, as agências das Nações Unidas, os governos, as empresas e associações empresariais, as organizações dos trabalhadores, a sociedade civil e a academia.
O Conselho do Pacto Global (Global Compact Board) teve seu primeiro encontro em 2006. É um grupo que tem como objetivo recomendar estratégias e políticas ao Escritório Central do Pacto Global e aos participantes deste. Esse conselho é composto por quatro grupos com responsabilidades específicas: empresarial, da sociedade civil, dos sindicatos e das Nações Unidas. Ao todo, conta com 31 membros individuais, entre os quais eu, Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos.
O Pacto Global possui dez princípios que o fundamentam, nove dos quais foram estabelecidos na sua criação e um incluído posteriormente. Eles se derivaram dos seguintes documentos da ONU: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e, também, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
A reunião de maio
O encontro realizado esta semana em Nova York discutiu as linhas estratégicas do planejamento 2014-2016. Participaram os membros do Conselho (Board) do Pacto Global e do Grupo de Países Doadores (Donor Group).
A principal meta do período é conseguir que 20 mil empresas se comprometam com os princípios do Pacto Global.
Sobre isso, alguns governos de países doadores argumentaram que o Pacto Global corre o risco de se fragmentar caso expanda muito sua área de atuação, iniciativa necessária para cumprir o objetivo de 20 mil empresas comprometidas.
Os doadores também pedem reforma na governança do Pacto Global para dar conta dos diferentes níveis de desenvolvimento em relação aos princípios que os novos associados apresentam.
Entre os membros do Conselho do Pacto, os representantes dos sindicatos ressaltaram que, embora os princípios sejam mencionados por todas as partes repetidamente, há poucas evidências de que eles estejam sendo aplicados pelas empresas. É preciso entender que essas evidências são necessárias.
Os sindicatos também se referiram à pressão que eles próprios fizeram para que os fundos de pensão aderissem ao Pacto Global, justamente para que tivessem como orientação de investimento os dez princípios, o que não vem ocorrendo.
Os sindicatos insistem na mudança de padrão das empresas, mais do que no aumento do número delas no Pacto Global.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, corrobora, de certa forma, essa posição. Na reunião que teve com os membros do Conselho, mencionou a tragédia de Bangladesh como exemplo negativo, um exemplo do que não pode mais acontecer. No último dia 24 de abril, um prédio comercial desabou na cidade de Savar, matando 1.127 pessoas. O acidente é considerado pelas autoridades a pior tragédia envolvendo trabalhadores no país.
Ban Ki-moon destacou os fatos trazidos pelo noticiário, de que o prédio não poderia alojar fábricas e, pior de tudo, foi construído sem obedecer o projeto inicial e, por isso, tinha três andares a mais do que as fundações poderiam suportar.
O caso é realmente emblemático sobre o papel das empresas e dos governos para a sustentabilidade. Nesse prédio, projetado para receber escritórios e lojas, funcionavam também fábricas de roupas que empregavam 3.000 pessoas. Além disso, essas fábricas necessitavam de geradores e outros equipamentos pesados, que foram instalados no teto do edifício, fazendo pressão até causar o desabamento. Tais fábricas produziam peças para marcas globais, no sistema fast fashion.
A União Europeia já havia alertado o governo de Bangladesh a respeito de sanções comerciais, caso o país não adotasse medidas mais rígidas de segurança no trabalho.
Depois da tragédia, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) faz campanha para que Bangladesh feche as portas de todas as fábricas que não ofereçam segurança no trabalho.
De concreto, no sábado, dia 4 de maio, representantes da OIT, do governo de Bangladesh, empresários e sindicalistas do país reuniram-se e conseguiram estabelecer uma agenda para garantir que todas as fábricas têxteis sejam inspecionadas. Consertos e reparos urgentes deverão ser feitos imediatamente. As instalações que não puderem ser reformadas serão fechadas, com os trabalhadores recebendo indenizações e treinamento para buscar novo emprego.
As grandes marcas globais que compram as produções dessas fábricas podem tirar dessa tragédia o “fermento” de que precisam para iniciar outra forma de gestão, com foco no tripé da sustentabilidade.
Brasil dá exemplo
Aqui no Brasil, as empresas do varejo têxtil – algumas delas globais e tendo as fábricas de costura de Bangladesh na cadeia de suprimentos – dão exemplo ao assumir sua responsabilidade na solução da precariedade do trabalho em sua cadeia produtiva.
As 15 maiores varejistas do país criaram a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTex). A entidade promove um programa de capacitação e certificação de fornecedores que garante o cumprimento de condições de trabalho dignas, entre outros requisitos. Além disso, a C&A, empresa associada à ABVTex, mantém uma auditoria própria para a sua cadeia de fornecedores. E a Renner, outra associada, também inicia um processo de desenvolvimento da sua cadeia produtiva.
A Zara foi mais longe: realizou um diagnóstico do setor e tomou importantes medidas para transformar a realidade: assumiu sua responsabilidade na solução do problema; condicionou a continuidade do fornecimento à formalização da empresa e à garantia de condições dignas de trabalho; e está fortalecendo a gestão das oficinas de costura e da qualificação da mão de obra, aumentando a produtividade, a capacidade e a flexibilidade de atendimento das empresas.
* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.