A ONU vem estimulando discussões acerca desse assunto na busca por soluções e alternativas. Tanto que é um dos temas de maior destaque da Rio+20.
Por Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos
Temos aproveitado este espaço para comentar os temas que serão objeto de debate na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). A ONU proclamou 2012 como o Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos e, desde então, vem estimulando discussões acerca desse assunto na busca por soluções e medidas alternativas. Tanto que “Energia Sustentável para Todos” é um dos temas de maior destaque do encontro no Rio de Janeiro.
A questão energética está essencialmente atrelada ao desenvolvimento da economia e à qualidade de vida das pessoas, mas sua geração e consumo representam importantes pressões sobre os recursos naturais. Nas últimas décadas, cientistas e ecologistas vêm alertando sobre as consequências que o consumo abusivo de energias provenientes de matérias fósseis representa para o meio ambiente e a necessidade de se investir em energias mais limpas e sustentáveis.
O padrão energético mundial está baseado em combustíveis fósseis, responsáveis pela quase totalidade das emissões do principal gás do efeito estufa, o carbônico. As grandes fontes de emissão de gases de efeito estufa identificadas hoje no cenário global são os processos de geração de energia e transporte, que somados representam aproximadamente 40% das emissões projetadas para 2030. A geração de energia sozinha responde por 26% das emissões globais, posicionando o setor como líder na lista de maiores emissões.
Hoje, as fontes renováveis são responsáveis por apenas 12,9% da oferta de energia primária no mundo. Entretanto estima-se que as fontes renováveis têm capacidade para atender até 77% das necessidades globais.
Também devemos atentar para o fato de que, atualmente, mais de 1,4 bilhão de pessoas em todo o mundo (cerca de um quinto da população mundial) não têm acesso a eletricidade e cerca de 1 bilhão têm acesso intermitente, ou seja, não contínuo, o que acarreta problemas de saúde, déficit educacional, destruição ambiental e, até mesmo, atraso econômico.
Buscando reverter esse quadro, começou-se a pensar, há alguns anos, em energias alternativas e em como aperfeiçoar seu uso. Foi para dar maior ênfase a essa discussão e fomentar ações que possam ajudar a mudar essa realidade que a ONU estabeleceu 2012 como o Ano da Energia Sustentável e colocou o assunto como um dos temas de destaque a serem discutidos pela Rio+20.
A questão energética e o desenvolvimento sustentável
Investir em energias sustentáveis é combater de maneira expressiva as emissões e a pobreza energética no mundo, catalisando o crescimento sustentável e atenuando as mudanças climáticas.
Como já dissemos, um quinto da população mundial não tem acesso a energia elétrica. O dobro desse número – algo em torno de 3 bilhões de pessoas – ainda depende de fontes energéticas como carvão, lenha e outros tipos de biomassa tradicionais para satisfazer suas necessidades básicas. São dados alarmantes que batem de frente com a questão da qualidade de vida.
A energia é fator essencial de promoção do desenvolvimento. O início da era industrial marcou um expressivo desenvolvimento da população e com ele novas demandas energéticas. Máquinas que surgiam para otimizar o tempo e trazer maior qualidade de vida e conforto tinham como principal fonte energética o carvão e o petróleo, altamente poluentes e não renováveis, e que hoje são os grandes responsáveis pelo efeito estufa.
Na Rio+20, bem como na Conferência Ethos Internacional 2012, serão enfatizadas a ligação entre energia e desenvolvimento sustentável e a relevância da energia moderna, limpa e mais eficiente na erradicação da pobreza. O acesso às opções de tecnologia de energia limpa deve levar em consideração a diversidade das situações, de políticas nacionais e de necessidades específicas de países em vias de desenvolvimento.
Projeções futuras
O programa Sustainable Energy for All, da ONU, propõe três metas para 2030, baseando-se em números de 2009. A primeira é que cem por cento dos habitantes do planeta tenham acesso a energia. Em 2009, 1,3 milhões de pessoas estavam à margem desse mercado. A meta é que, até 2030, esse quadro tenha sido totalmente alterado.
Outra meta estabelecida é a de dobrar a coeficiência energética. Dados de 2009 revelam que 1,2% da energia mundial já tem sido economizado por eficiência energética. A meta é que em 2030 esse número passe a ser de 2,4%.
A terceira meta é a de dobrar a geração de energia renovável na matriz mundial. Pelos números do programa Global Energy Assessment, 15% da energia global em 2009 vinham de fontes renováveis. Pretende-se que essa cifra chegue a 30% em 2030.
A energia renovável no mundo
As hidrelétricas são responsáveis hoje por 16% da energia mundial, enquanto a energia solar corresponde a 0,1% e a eólica a 1,4%. A Agência Internacional de Energia prevê que até 2035 as energias renováveis corresponderão a 31% da geração total de energia no mundo.
Os países que mais se destacam em relação à geração de energia sustentável são: a Dinamarca, em que a energia eólica corresponde a 18% do total; a Espanha, que se destaca pela energia solar (3%); e os Estados Unidos, com 3% provenientes de energia eólica e solar. Os países que mais investem anualmente em energia renovável são a China, com US$ 50 bilhões, a Alemanha, com US$ 41 bilhões, e os EUA, com US$ 30 bilhões.
A questão da energia renovável no Brasil
Em nosso país, a predominância de hidrelétricas na geração de eletricidade e a elevada penetração do etanol no mercado de combustíveis impactam positivamente tanto o setor de geração de energia como o de transporte. A matriz de geração de energia do Brasil é uma das mais limpas do mundo e hoje responde somente por 1% das emissões de gases de efeito estufa do país. Mesmo com a expectativa de que se dobre a produção de energia no Brasil nos próximos 20 anos e que parte desse crescimento (14% da matriz de geração elétrica) tenha como base fontes de combustíveis fósseis, a participação das emissões do setor energético no total do Brasil ficará em torno de 3,5%, muito inferior à média mundial.
Embora a matriz energética brasileira, especialmente a matriz elétrica, seja considerada limpa, o aumento do consumo de energia projetado até 2030 justifica a preocupação com medidas de mitigação de emissão na geração e no uso de energia. Segundo o relatório da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a rápida expansão da população brasileira e o consequente crescimento no consumo de bens farão com que o país tenha que aumentar sua capacidade energética. A projeção é que, entre 2010 e 2020, a população brasileira passe de 195 milhões para 205 milhões e o número de residências suba em 15 milhões, chegando a 75 milhões. De acordo com estimativas, a classe comercial apresentará a maior alta (5,8% anuais, em média) entre os segmentos de consumo. Entretanto, a indústria permanecerá sendo a classe responsável por quase metade do consumo total de eletricidade no país.
Para o Brasil, a crescente demanda por energia pode também ser interpretada como uma oportunidade. A matriz energética limpa pode representar diferencial competitivo, atribuindo inclusive valor sustentável a produtos industrializados com menor impacto em emissões.
Tradicionalmente, o Brasil tem experiência no uso de hidreletricidade e de biomassa (como o etanol) para produzir combustíveis. Tem liderança nesse setor e agora começa a produzir energia eólica e solar. Há uma grande oportunidade para que o Brasil aumente a proporção de renováveis muito rapidamente, usando novas tecnologias. É importante observar que fontes energéticas como a hidráulica, a cana-de-açúcar, o carvão vegetal e outros biocombustíveis, ainda que tenham a vantagem de ser renováveis, podem tanto impactar negativamente o meio ambiente como implicar condições socioculturais desfavoráveis. O que se deseja é a promoção sustentável de fontes de energia renováveis. Essa é a ideia que deve guiar as metas.
O Brasil tem a valiosa experiência do Pró-Álcool, único programa bem-sucedido de substituição em larga escala dos derivados de petróleo no mundo. O biodiesel e as misturas de combustíveis que usam derivados de soja podem diversificar e tornar mais limpa a matriz energética brasileira. Também o dendê, o babaçu, a mamona e diversas espécies nativas são fontes potenciais de combustível. A energia de biomassa a partir de bagaço de cana, rejeitos de serrarias e lenha, em combustão direta ou em gaseificação, são fontes renováveis de energia e permitem dar um uso econômico a rejeitos que muitas vezes são simplesmente incinerados.
Algumas regiões do Brasil apresentam grande potencial para a produção de energia eólica e diversas empresas vêm investindo no ramo. O uso de energia solar está se expandindo, seja a fotovoltaica, seja a solar térmica. Esse crescimento deve continuar considerando o potencial que existe no Brasil e sua capacidade de atender a demandas descentralizadas.
O desafio que se apresenta é integrar todas essas opções para garantir, de modo sustentável, o suprimento de energia necessário. Não basta, porém, aumentar o suprimento energético em bases cada vez mais limpas. É preciso aumentar a eficiência no seu uso e na sua conservação.
Os desafios
Mesmo com iniciativas empresariais promissoras quanto ao aumento da eficiência energética, a manutenção de uma matriz energética limpa diante do aumento de demanda de energia, apresenta uma série de desafios, como:
- Realizar a transição do atual sistema energético e um planejamento para cortar subsídios destinados às fontes fósseis e à energia atômica, garantindo incentivos para as energias renováveis.
- Promover incentivos e modelos de negócio para ampliar a viabilidade econômica da energia eólica e da energia solar.
- Desenvolver políticas tecnológicas inovadoras, com investimentos e incentivos à inovação.
- Estabelecer sistema regulatório para produção e utilização de energia renovável e condições estáveis para que empresas invistam no setor energético.
- Criar modelos de monitoramento dos custos reais de produção das fontes de energia.
- Atrelar planos de desenvolvimento local aos projetos de geração de energia, envolvendo as populações afetadas e beneficiárias.
- Estimular o desenvolvimento tecnológico para as novas gerações de biocombustíveis, como, por exemplo, o etanol de celulose, biotecnologia e engenharia genética.
- Integrar diferentes interesses e visões dos setores governamental, privado (concessionárias), movimentos sociais e ambientalistas, favorecendo um diálogo genuíno, com regularidade e profundidade.
- Estabelecer regras para monitoramento de emissões de gases de efeito estufa na produção de energia e padrões de monitoramento de eficiência energética nas cadeias produtivas.
O que fica como questão agora é como mudar para fontes energéticas sustentáveis, de maneira que não percamos eficiência, pelo contrário; e que mais pessoas tenham acesso a energia, mas que tenhamos alternativas limpas e não poluentes. O que deve embasar as principais discussões sobre energia sustentável é que é possível perseguir tanto a viabilidade econômica quanto a responsabilidade social sem que isso acarrete perdas.