Qual é o papel da área de recursos humanos na criação e promoção de fatores-chave para que gerentes pensem e ajam de forma diferente?

Por Aileen Ionescu-Somers*

A sustentabilidade integra, hoje, a agenda estratégica da maioria das multinacionais. No entanto, pesquisa do Centro Global para a Liderança em Sustentabilidade, da escola de negócios IMD, de Lausanne, na Suíça, mostra que poucas empresas têm se dedicado por inteiro a essa estratégia – o que significa que o alinhamento permanece “preso” em várias unidades de negócios resistentes, como finanças, vendas, marketing e, curiosamente, a
área de recursos humanos também. Como isso acontece?

As empresas às vezes sofrem para transformar as múltiplas facetas da sustentabilidade estratégica em crescimento e vantagem competitiva. Isso acontece principalmente porque os gerentes têm mentalidades fixas, ou de curto prazo, fortemente influenciadas pelo contexto de negócios – e também por seus próprios padrões de comportamento. As corporações podem, ainda, carecer de sistemas de valores, conhecimento e habilidades necessárias, além da ausência de uma cultura incentivadora que lhes permita alavancar a estratégia de uma melhor forma.

No entanto, a experiência diz que o RH das empresas possui diferentes graus de envolvimento na implementação estratégica. Portanto, há certo perigo de as discussões empresariais se resumirem ao “mínimo denominador comum”. Na verdade, a questão primordial é que, com a não inclusão estratégica do RH na agenda, as empresas provavelmente não implementarão plenamente suas estratégias de sustentabilidade.

Qual é o papel do departamento de recursos humanos de uma organização na criação e promoção de fatores-chave para que gerentes pensem e ajam de forma diferente? Sabemos, por meio dos inúmeros projetos de pesquisa no IMD, que a inclusão bem-sucedida de estratégias de sustentabilidade significa:

–  Construir e implementar um casamento de negócios claro entre departamentos e unidades;

–  Tornar absolutamente essencial a resolução de questões de sustentabilidade economicamente relevantes;

–  Criar valor em toda a cadeia, para todos os acionistas e partes interessadas;

–  Eliminar as lacunas de conhecimento entre os gestores referentes à relevância da sustentabilidade para suas atividades cotidianas;

–  Eliminar “silos organizacionais”;

–  E – o mais importante – mudar mentalidades para permitir maior equilíbrio entre a lucratividade no curto prazo e a estabilidade de longo prazo.

Naturalmente, para realizar essas mudanças, são necessários novos conhecimentos e habilidades – na verdade, novos tipos de gerentes. Também é fundamental uma cultura corporativa e sistemas de valores que funcionem como terreno fértil para a estratégia e, principalmente, permitam às pessoas alinharem a ação empresarial com visão e propósito corporativos.

Em qualquer organização, o RH desempenha um papel extremamente importante no processo de incorporação, uma vez que ele insere as pessoas na estratégia da sustentabilidade empresarial. No entanto, muitas vezes os departamentos de RH não se sentem habilitados a instigar e implementar as mudanças necessárias às organizações a fim de integrar a sustentabilidade.

O que queremos dizer com “integrar”? Simplesmente que o comportamento social e ambiental responsável (e as ações) integra-se aos sistemas de negócios como uma atividade corriqueira da empresa. Dessa forma, a sustentabilidade não permanece nem se torna um “complemento”, em que os especialistas e gerentes dedicados ao tema ficam sentados em “torres de marfim”, tentando – e, muitas vezes, deixando de – divulgar o interesse em estratégias de sustentabilidade dos principais gerentes funcionais, algo que não tem nenhuma relevância aparente na dura realidade das atividades gerenciais cotidianas.

Para promover o engajamento e fomentar a liderança em sustentabilidade numa organização, o RH tem de desempenhar papeis significativos, como:

–  Alinhar incentivos internos e fatores-chave, como recompensa, contratação de talentos e revisão de políticas e práticas do desenvolvimento da liderança;

–  Manter coerência entre as diretrizes estratégicas e as ações cotidianas. O RH pode atuar como um “cão de guarda interno”, observando e ajudando a organização a abordar inconsistências. Do contrário, corre-se o risco de a empresa ser acusada de “lavagem verde”, na qual essas ações são tidas como “de fachada”;

–  Criar embaixadores internos, para promover a estratégia de sustentabilidade e orientar funcionários durante os processos de mudança;

–  Preencher as lacunas do conhecimento. Ao incorporar questões de sustentabilidade estrategicamente relevantes para a empresa, o RH pode se responsabilizar pela implementação do conhecimento.

–  Utilizar a sustentabilidade no recrutamento e retenção de talentos. Prevê-se que encontrar talentos vai ficar cada vez mais difícil, dependendo do setor. Empresas com visão de sustentabilidade e capacidade de articulação para mostrar resultados claros na prática dos negócios terão vantagens competitivas.

Entretanto, ao cumprir tais papeis o RH também enfrentará os seguintes desafios:

–  Conquistar credibilidade. As expectativas em relação ao RH são bastante elevadas, mas sua reputação nem sempre é das melhores. Assim, torna-se obrigatório reforçar sua credibilidade interna e cumprir papel proativo no apoio às estratégias de sustentabilidade. Além disso, o RH pode humanizar o tema de forma que os gestores se identifiquem, alinhando-se ao princípio básico do “conheça-se a si mesmo, conheça seu negócio e conheça sua equipe”.

–  Garantir que se coloquem as palavras em prática. As pessoas geralmente se entusiasmam ao falar de valores e princípios, mas demonstram maior resistência para agir e mudar seu comportamento.

Sistemas de RH têm o potencial de impulsionar essa mudança e ajudar as pessoas a superar barreiras, desde que:

–  A mudança de comportamento seja posicionada estrategicamente pela alta administração;

–  O RH atue como consultor interno, e não como executor;

–  Os gestores intermediários se envolvam com as estratégias desde o início, uma vez que mudanças geralmente se tornam reais e tangíveis no nível intermediário;

–  O fôlego seja construído e sustentado por um RH engajado, demonstrando progresso e integração aos negócios;

–  Os objetivos mensuráveis dos gerentes sejam revisados e devidamente alinhados;

–  A integração da sustentabilidade esteja alinhada com o propósito geral da empresa.

Há uma série de outras ferramentas e opções. O RH e setores de sustentabilidade podem trabalhar juntos para garantir que a empresa:

–  Esteja preparada para atrair novos tipos de liderança;

–  Valorize o longo prazo, a inteligência emocional, fatores de inovação e a vontade de um aprendizado contínuo;

–  Promova uma visão ampla do impacto dos negócios sobre (e a partir da) sociedade, meio ambiente e economia;

–  Mescle um direcionamento de cima para baixo com um engajamento livre de baixo para cima. Isso é essencial para o bom desempenho dos funcionários em relação às estratégias de sustentabilidade, nas quais o RH atua como uma espécie de conduíte;

–  Alinhe sistemas de recompensa e reconhecimento com metas de sustentabilidade, ao criar maneiras de recompensar a inovação sustentável e promover competição interna;

–  Desencadeie um processo interno para repensar como os negócios são feitos.

–  Impulsione o alinhamento comportamental com a estratégia de sustentabilidade, por meio de mudanças nas políticas empresariais, atingindo até o comportamento individual.

Para fixar ainda mais a estratégia de sustentabilidade nas organizações, setores de sustentabilidade e RH podem se unir para chamar a atenção do poder central da empresa. Essencialmente, quando não se tem poder, precisa-se de uma voz – e há situações que permitem aos indivíduos ou departamentos estabelecer uma voz que seja ouvida dentro da empresa. Identificando-as, pode-se conquistar a atenção necessária. O próximo desafio será sustentá-la e disseminá-la – o que é o mais difícil, mas não impossível. Tal qual o vírus da gripe, é preciso, acima de tudo, “contaminar” primeiramente as pessoas certas.

* Aileen Ionescu-Somers é diretora da CSL Learning Platform da IMD Business School, na Suíça.

Este artigo foi publicado originalmente na revista Ideia Sustentável, edição 31, de março de 2013.

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Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
– O capital natural, de Roberto Strumpf;
– Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
– Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
– Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
– As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu;
– Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch;
– PL n° 6.826/10 pode alterar cenário de combate à corrupção no Brasil, de Bruno Maeda e Carlos Ayres;
– Engajamento: o caminho para relações do trabalho sustentáveis, de Marcelo Lomelino;
– Sustentabilidade na cadeia de valor, de Cristina Fedato;
– Métodos para integrar a responsabilidade social na gestão, de Jorge Emanuel Reis Cajazeira e José Carlos Barbieri;
– Generosidade: o quarto elemento do triple bottom line, de Rogério Ruschel;
– O que mudou na sustentabilidade das empresas, de Dal Marcondes;
Responsabilidade social empresarial e sustentabilidade para a gestão empresarial, de Fernanda Gabriela Borger; e
– .Os Dez Mandamentos da empresa responsável, de Rogério Ruschel.