Pode o trabalho a distância garantir maior qualidade de vida? Está a tecnologia aumentando a jornada de trabalho, em lugar de diminuí-la?
Por Paulo Itacarambi*
Neste dia 1º de maio, uma das comemorações organizadas pelas centrais sindicais teve como tema “Trabalho e Sustentabilidade”, pelo qual se ressaltava a necessidade de se valorizar o trabalho e o trabalhador como forma de construir uma sociedade mais justa. A questão da jornada de trabalho mais curta foi comentada, entre outros assuntos que estão numa pauta de reivindicações a ser levada à Presidência da República.
Um dos temas não discutidos nem nessa comemoração nem nas de outras centrais sindicais foi a do teletrabalho, ou trabalho a distância, que vem evoluindo no Brasil e no mundo. Tanto assim que, no final de 2011, a presidenta Dilma Rousseff aprovou a Lei nº 12.551, que garante os mesmos direitos trabalhistas a quem tem expediente em casa, inclusive horas extras para jornadas acima das 40 horas semanais.
Em sua edição de 18 de maio de 2011, a revista Carta Capital produziu matéria de capa na qual comentava o avanço do teletrabalho, considerando-o tendência irreversível. Todavia, no início de 2013, um comunicado interno da Yahoo vazou para a imprensa e causou polêmica mundial. Nele, a empresa avisava seus funcionários que trabalham remotamente que, a partir de junho, deverão dar expediente no escritório. A justificativa para uma reviravolta tão grande é que a empresa afirma estar sentindo necessidade de maior integração e criatividade, só obtidas nos papos informais no cafezinho e na interação do ambiente coletivo.
O professor Joseph Pastor, da Pace University, dos EUA, comentou essa decisão da Yahoo no jornal diário San Francisco Chronicle. Para ele, trabalhar em casa nem sempre funciona da maneira como se imagina, porque a comunicação torna-se rarefeita. Ele entende que é impossível suplantar a integração que o ambiente coletivo de trabalho constrói, o “olho no olho”. Perde-se qualidade, rapidez e valores com o trabalho em casa, na opinião desse professor.
O que chama a atenção é que a mudança está sendo feita por uma empresa de tecnologia da informação, setor no qual o teletrabalho fez mais avanços e onde existem as melhores condições de prosperar. A Yahoo está nadando contra a corrente ou antecipando algo que virá?
A mudança vai causar impactos na vida dos empregados e da cidade onde a Yahoo se localiza, Sunnyvale, na Califórnia, EUA. O município tem 140 mil habitantes e, apesar de integrar o Vale do Silício e sediar várias grandes companhias de alta tecnologia, é uma cidade do interior, pacata e sem congestionamentos. A cidade vai sentir essa mudança no seu tráfego.
Comentando a decisão, o Wall Street Journal pondera que, na verdade, a Yahoo está realizando um corte de funcionários e chamando esse ato de “outra coisa”. Os executivos da empresa negam que seja subterfúgio para demissão ou mesmo que antevejam uma tendência de volta ao “modelo do cartão de ponto”. Eles afirmam que adotaram a decisão porque é a mais correta para o momento da companhia, que está pressionada por outros gigantes, como a Google e o Facebook, e perdendo identidade. Por isso, quer pôr todo mundo “debaixo do mesmo teto”, para recuperar a energia, a criatividade, o espírito coletivo e a emoção necessários para manter a empresa coesa.
A decisão da Yahoo nos faz refletir sobre os limites do teletrabalho. Ele torna a empresa menos integrada? Melhora a vida do funcionário? Vamos comentar e tentar responder algumas dessas questões.
O trabalho a distância já existe desde o início da industrialização, mas era adotado para algumas poucas funções, geralmente vinculadas às áreas de vendas das empresas. Ganhou corpo nos anos 1990, tornando-se tendência no nascente segmento da tecnologia, expandindo-se, depois, para outras indústrias, graças à melhoria e à disseminação de sistemas virtuais de controle de tempo e de produção.
Eis algumas das vantagens do trabalho a distância:
- Ao flexibilizar o local de trabalho, permitir que mulheres com filhos pequenos, deficientes físicos e até especialistas em outros países possam trabalhar a partir da própria casa. Basta ter um computador, um telefone e acesso à internet.
- Melhorar a mobilidade nas cidades, pois não há necessidade de deslocamentos casa-trabalho ou trabalho-escola etc. Com isso, o tempo de deslocamento e as emissões de carbono diminuem.
- – Numa cidade como São Paulo, o tempo médio de deslocamento até o trabalho é de 42 minutos só de ida, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No entanto, quem mora na Zona Leste, trabalha na Zona Sul da cidade e depende de transporte público sabe que esse tempo pode ultrapassar duas horas diárias. Se as empresas adotassem trabalho a distância alguns dias por semana para alguns cargos, o volume de trânsito poderia cair e o trabalhador, mais descansado, ser mais produtivo, não?
- Melhorar a qualidade de vida. Quem tem disciplina e, mesmo em casa, consegue separar as horas de trabalho daquelas dedicadas a filhos e tarefas domésticas, afirma que se sente mais feliz e seguro por estar perto dos familiares. Mesmo com horários, há possibilidade de acompanhar um filho na escola, almoçar com a família e, principalmente, não passar pelo estresse dos congestionamentos.
Para as empresas, as vantagens se encontram no fato de diminuir custos com escritórios e equipamentos e de ter profissionais à disposição em horários fora das tradicionais horas de expediente num local só.
Há pelo menos dois efeitos negativos que foram apontados pela Universidade de Upsalla, na Suécia:
- Com o expediente “invadindo” as horas de lazer, mais do que o descanso, o lado existencial, que carrega as emoções, fica comprometido. Sem emoção, o ser humano não desenvolve nem assimila valores. Os valores ajudam a superar o isolamento e o individualismo.
- O trabalho on-line exige pouca ou nenhuma interação social. O profissional passa o dia na frente de uma tela, no máximo conversando via celular ou Skype com outros profissionais que não conhece. Nada daquele papo sobre o fim de semana, a família, enfim, as conversas informais tão importantes na vida de qualquer ser humano, pois estabelecem vínculos emocionais, criando e consolidando valores como lealdade, compromisso, amizade, companheirismo. Retirado desse convívio e posto em lugar solitário, esse profissional torna-se também imediatista, impaciente e sem visão da coletividade.
Trabalho imaterial
A verdade é que a questão do trabalho a distância está vinculada a outra, mais profunda e paradigmática do período em que vivemos – a da própria natureza do trabalho. O trabalho humano não é mais concreto – fazer um parafuso, montar um carro ou um avião e assim por diante. Essas tarefas vêm sendo cada vez mais executadas por robôs ou por programas de computador. A natureza do trabalho humano é imaterial ou intelectual – programar um computador, criar um novo aplicativo, melhorar o desempenho de uma máquina, escrever um texto inspirador para o público interno etc. A produtividade não é medida apenas pela relação quantidade/horas de produção, mas também pelo conhecimento agregado na tarefa.
Até o momento, os resultados práticos desse tipo de trabalho são o aumento da jornada e a diminuição das horas de lazer. Mesmo na União Europeia, berço do “estado de bem-estar social”, e antes das crises financeiras, apenas 24% dos trabalhadores dos 15 maiores países cumpriam jornadas regulares de trabalho – fora de horários noturnos, nos fins de semana ou em regime temporário. Os profissionais autônomos são os que têm as jornadas mais irregulares. Nos EUA, 77% dos trabalhadores leem e-mails à noite e 35% respondem demandas de trabalho quando estão com os filhos.
Ainda não temos dados brasileiros, mas todos sabemos que a jornada profissional vem invadindo a vida pessoal dos brasileiros, mesmo que a maioria das empresas aqui ainda não adote o trabalho a distância.
Eis, então, a questão: o teletrabalho é a causa de a jornada de trabalho invadir a vida profissional ou isso é consequência de uma crise generalizada no emprego, por conta da introdução de novas tecnologias?
Outras perguntas que necessitam de nossa reflexão: pode o teletrabalho garantir maior qualidade de vida? Está a tecnologia aumentando a jornada de trabalho, em lugar de diminuí-la?
A sociedade, junto com as empresas, precisa refletir sobre essas questões. Afinal, não se trata de criar novos postos de trabalho, mas sim de novos direitos civis e trabalhistas – que vão se constituir em valores vinculados à geração de emprego e renda. E à construção de um modelo de desenvolvimento sustentável que suporte uma sociedade mais justa e igualitária.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.