A Constituição Federal estabelece que todos os direitos, inclusive o direito das empresas, submetem-se aos direitos e garantias individuais.

Por Sérgio Mindlin*

Amanhã, dia 5 de outubro, faz 25 anos que a Constituição brasileira de 1988 foi promulgada, marcando o fim do período militar e o início do mais longo período de democracia da história brasileira.

Democracia conquistada e garantida por essa carta constitucional que já trazia muitos avanços para a época. Chamada de “Constituição cidadã”, ela expressa a conquista da liberdade de associação e expressão, de direitos e garantias individuais e coletivos da sociedade brasileira.

São hoje, aliás, cláusulas pétreas da nossa Constituição (isto é, disposições a respeito das quais não pode haver emendas nem alterações de qualquer natureza): os direitos e garantias individuais juntamente com o sistema federativo, a separação entre os três poderes e o voto direto, secreto e universal.

Isto significa que todos os demais direitos elencados na carta de 88 submetem-se a esses direitos e garantias individuais, inclusive a própria empresa, que precisa ter função social, como está expresso como cláusula geral e também em vários artigos da Constituição.

Como a Constituição explica a função social da empresa?

No Brasil, a função social da empresa já estava estabelecida na Lei das S. A de 1976. Portanto, a carta de 1988 consagrou constitucionalmente o princípio que já existia no direito comercial e, com isso, ele passa a valer em todos os âmbitos do direito brasileiro.

Uma das funções sociais da empresa, do ponto de vista constitucional, é ser garantidora de direitos. Como um grande número de pessoas ocupa boa parte do seu tempo no trabalho, exercido em estabelecimento empresarial, é nesse ambiente que se deverá também garantir os direitos previstos na Constituição.

A empresa também é responsável pela geração de empregos, pelo recolhimento de impostos e pela movimentação da economia. Com isso, preenche os papéis de promotora da justiça social, da dignidade da pessoa humano, do valor social do trabalho e da livre iniciativa; de redução das desigualdades; de sustentação econômica e de busca do pleno emprego, entre outros princípios constitucionais.

Não há legislação que regulamente e explicite a função social da empresa, nem há sanção prevista para o não cumprimento de algumas das ações aqui listadas.

Mesmo assim, a sociedade enxerga na empresa um agente que pode contribuir para solucionar parte dos problemas que enfrenta, mesmo que isso não esteja previsto em lei. Portanto, a função social da empresa, hoje, vai muito “além da lei” para atender as demandas e pressões de vários públicos de interesse, não só acionistas.

Qual é a função social da empresa, afinal?

Muitos economistas, inclusive alguns ganhadores de Prêmio Nobel, ainda hoje acreditam que O objetivo de uma empresa é gerar lucro para seus acionistas e estes fazem o que quiserem com os dividendos.

Uma empresa precisa gerar lucro, porque sem o lucro, o negócio não sobrevive, não há empregos, pagamento de impostos, comércio e distribuição de riquezas. Então, para cumprir sua função social, a empresa deve dar lucro. Mas não apenas isso.

Os negócios não ocorrem no vácuo. A empresa é uma subsidiária integral da economia que, por sua vez, é uma subsidiária da sociedade. E a sociedade é apenas uma partezinha do planeta Terra.

Por isso, a empresa precisa atender todos os públicos de interesse, inclusive aqueles conflitantes. Fazendo assim, a empresa vai garantir que o negócio cresça, e produza resultados para os acionistas, os funcionários, os fornecedores, a comunidade e a sociedade.

Assim, uma empresa com um forte papel social é aquela que busca o lucro sem desrespeitar os direitos daqueles que são impactados pelas atividades e sem causar danos ao meio ambiente. Ao fazer isso, a empresa também colabora para uma sociedade mais justa e sustentável e está produzindo resultados não apenas para seus acionistas, para todos os “stakeholders”, ou partes interessadas.

Para nós, do Instituto Ethos, uma empresa que procura potencializar os efeitos positivos de sua atividade para todos os públicos de interesse e minimizar os efeitos negativos é uma empresa que está no caminho da sustentabilidade.

Temos divulgado aqui no nosso site, e mesmo na CBN, vários casos de empresas que operam do jeito tradicional, vamos dizer assim, e que fazem esforços para mudar a maneira de fazer negócios, internalizando no planejamento estratégico as dimensões da sustentabilidade, isto é, a ambiental, a social e a ética, além da econômico-financeira.

Mas será que é mais fácil criar um negócio sustentável desde o início?

Quem está iniciando um negócio pode já fazer a sua modelagem levando em consideração o tripé da sustentabilidade.

Na Conferência Ethos 2013, alguns modelos de negócios sustentáveis foram apresentados para discussão com especialistas e participantes, a respeito da viabilidade de ganharem escala e da sustentabilidade em si do modelo.

O destaque foi para o modelo chamado “Treebos, Alimentação e Produção Agrícola”, com sede em Guarapari, no Espírito Santo.

O que é

Murilo Ferraz, o empreendedor que idealizou o Treebos define seu negócio como se fosse “dar um quintal para cada pessoa produzir seus próprios alimentos, só que nós plantamos, colhemos, beneficiamos e entregamos  parte da produção na casa do usuário”.

O excedente é comercializado, garantindo retorno financeiro ao negócio.

A Treebos administra unidades de produção agrícola num modelo de “crowdfunding” ou investimento fracionado. Cada usuário investe uma quantia mensal para pagar o plantio e a manutenção de uma árvore frutífera de sua preferência plantada em área padronizada chamada “Bosque do Futuro”. O usuário paga pelo investimento e “planta” a árvore na Internet. A Treebos planta a árvore frutífera na terra, em uma área do Bosque do Futuro e faz a manutenção. O usuário acompanha o desenvolvimento pela internet. Na colheita, a Treebos colhe os frutos, embala parte deles e envia ao usuário. O excedente é comercializado e o resultado dessa venda é informado ao usuário.  Com esse dinheiro, a Treebos garante recursos para empregar na melhoria dos processos produtivos.

A comercialização desse excedente é feita pela própria Treebos, num serviço de entrega de frutas em domicílio que já existia e, na verdade, iniciou o negócio.

Foi uma ideia de Murilo de unir pequenos produtores rurais de frutas diretamente a clientes, sem passar por intermediários.

Os kits de entregas são padronizados e compostos por frutas desses produtores e, quando estiverem produzindo, das árvores dos Bosques do Futuro.

O diferencial desse modelo está em unir a tecnologia para criar um modelo de negócio baseado no investimento fracionado que, de um lado, permite ao usuário/investidor acesso a alimentos saudáveis, e, de outro, reduz emissões poluentes relacionadas a produção, beneficiamento e entrega dos alimentos.

A partir de 2014, a Treebos quer plantar bosques em outros países.

 

* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.