Seminário anual da iniciativa faz um balanço das atividades e propõe mudanças em sua governança e funcionamento, visando seu fortalecimento.
“O Brasil possui mais de 17 milhões de trabalhadores rurais, distribuídos em mais de 4,5 milhões de propriedades. Estimativas apontam que cerca de 25 mil pessoas tornam-se escravas anualmente em fazendas e carvoarias brasileiras. Contudo, a atuação do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo , que hoje conta com 400 empresas e associações signatárias, vem gerando melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores rurais do país como um todo. Seus princípios preveem não apenas a erradicação desse crime, mas a promoção do trabalho decente. Desde a implantação do Pacto, há sete anos, 43 mil pessoas já foram libertadas da escravidão contemporânea. A Lista Suja, que nasceu com 52 nomes de empresas autuadas, hoje reúne 400. Em 2010, decisões tomadas por signatárias, de evitar fazer negócios e de emprestar dinheiro para empresas autuadas, começaram a surtir efeito na Bolsa de Valores. Além disso, o Pacto começa a ser ‘exportado’. Seu modelo vem sendo citado como referência, como algo a ser copiado internacionalmente”. As palavras são de Leonardo Sakamato, diretor da Ong Repórter Brasil, uma das entidades que compõem o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto – as outras são o Instituto Ethos, o Instituto Observatório Social (IOS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Comitê realizou nesta quinta-feira (29/11), numa das unidades do Senac, em São Paulo, seu seminário anual, em que fez um balanço das atividades e propôs mudanças na governança e no funcionamento do Pacto, visando seu fortalecimento. “O objetivo da reestruturação é permitir o aprofundamento do diálogo com as empresas e delas com instituições públicas. Dessa forma o Pacto será capaz de formular propostas que construam instrumentos indutores de políticas públicas cada vez mais eficazes na erradicação do trabalho escravo”, explicou Caio Magri, gerente executivo de Políticas Públicas do Instituto Ethos.
Segundo Magri, a reflexão sobre a transformação do Pacto num instituto autônomo – prevista para 2014 – deve trazer um maior protagonismo para as empresas envolvidas. “Além de se constituir num espaço para diálogo, a reestruturação deve atender melhor às demandas dos signatários – uma delas, a realização de encontros regionais –, que por sua vez devem assumir maior responsabilidade com os resultados, a governança e a sustentabilidade e sustentação do Pacto”, argumentou Magri.
Ampliar a área de pesquisas do Pacto, que atualmente se baseia na Plataforma de Monitoramento dos signatários, a cargo do Observatório Social, e no Mapeamento de Cadeias Produtivas, uma metodologia da Repórter Brasil, é outra meta prevista para o novo modelo do Pacto. “Passaremos a realizar pesquisas sobre a situação de setores críticos da economia e sobre cenários específicos e entraves para a promoção do trabalho decente e também mapearemos boas práticas”, exemplificou Magri.
Concorrência desleal
Outros atores importantes para as conquistas do Pacto nesses sete anos de trajetória também participaram do seminário. Marco Antônio Melchior, chefe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo, citou a “triste realidade, especialmente no setor têxtil”, no Estado. Afirmou que os auditores fiscais, em parceria com o Ministério Público do Trabalho e ONGs continuarão atuando no combate ao trabalho escravo nas oficinas de costura, “até acabar com essa prática criminosa num Estado tão importante como o nosso”.
O procurador Luiz Carlos Michele Fabre, do Ministério Público do Trabalho, frisou a importância do Pacto para a construção de um ambiente de concorrência leal. “Não são apenas razões de ordem humanitária que nos movem. Empresas que obtêm vantagens econômicas por praticar dumping social – redução de custos por meio da precarização das condições de trabalho – devem ser punidas”, frisou. Ele também criticou a teoria da “cegueira deliberada”, na qual se apoiam empresas autuadas, “como a Zara e as Pernambucanas”, justificando o trabalho análogo à escravidão praticado por terceirizados ou quarteirizados na confecção de roupas. “O controle social civil, exercido pela opinião pública, é o melhor instrumento de combate a essa situação. Graças ao Pacto, muitas grifes estão aprimorando o trabalho de suas auditorias internas sobre suas cadeias produtivas”, disse.
Garantir a defesa constitucional e judicial da Lista Suja é um dos papéis do governo federal, na opinião de José Guerra, coordenador-geral da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. “A Advocacia-Geral da União vem fazendo um excelente trabalho nesse sentido, como se pode confirmar por seu alto percentual de vitória nos processos”, afirmou.
Segundo Guerra, cabe às instâncias federal e legislativa coibir a prática do trabalho escravo, criando instrumentos que, pelo viés econômico, punam os infratores. “Já temos, na Lei de Licitações, o requisito de que o concorrente não esteja na Lista Suja. A exploração do trabalho escravo está vinculada a todo um sistema econômico que tenta se inserir no mercado de maneira ilegal e vantajosa. Por isso, a principal meta do Conatrae e do Pacto é trabalhar na aprovação da PEC 438, que trata do confisco pela União de terras onde se pratica o trabalho escravo.” Aprovada na Câmara, a Proposta de Emenda Constitucional 438 encontra-se agora no Senado. Apesar de tramitar há 13 anos, ela agora incorporou um avanço: inclui a possibilidade de expropriação de áreas urbanas.
“Não é possível ser efetivo no combate a esse crime hediondo sem causar prejuízo a quem lucra com isso”, defende o deputado estadual Carlos Bezerra Júnior, autor de um projeto de lei, em vias de aprovação na Assembleia Legislativa paulista, que cassa a inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS de qualquer empresa que for pega explorando trabalhadores. Os estabelecimentos autuados perderão seus registros fazendários, deixando de existir para qualquer transação formal. Além disso, seus proprietários ficarão impedidos de exercer o mesmo ramo de atividade ou entrar com pedido de nova inscrição por dez anos. “Acredito que, se aprovarmos essa lei, ela terá repercussão ainda mais forte que a PEC. São Paulo vai fazer ecoar, para o resto do país, a noção de que somos um Estado comprometido com uma economia sustentável, em que a garantia dos direitos humanos está acima do lucro a qualquer preço”, diz Bezerra.
Mais robusto
Luiz Machado, coordenador nacional do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), defendeu a reestruturação do Pacto como forma de ampliar sua esfera de influência para áreas atualmente problemáticas, como os setores têxtil e da construção civil. Dados da OIT apontam que cerca de 350 mil bolivianos vivem na capital paulista, a maioria em situação irregular de trabalho em oficinas de costura, inclusive com o cerceamento à liberdade, por terem contraído dívidas com seus empregadores.
O consenso entre os participantes é de que o aumento contínuo de signatários e o maior envolvimento dos setores urbanos exigem do Pacto maior robustez. Do ponto de vista da manutenção financeira, a iniciativa, mantida até agora com aportes pontuais da OIT, de algumas empresas e de projetos eventuais, carece de recursos que lhe garantam autonomia. “Nesse momento de transição, o Pacto continua sendo financiado por um grupo de empresas apoiadoras e se mantém aberto à adesão de outras empresas e ao diálogo sobre o novo modelo de gestão”, explicou Mariana Parra, coordenadora de Projetos do Instituto Ethos, que responde pela secretaria executiva do Pacto, conjuntamente com Leonardo Sakamoto, da Repórter Brasil, nesse período de transição.
Apoiadoras do Pacto, as empresas Walmart, Carrefour e C&A também mandaram representantes ao seminário. Camila Valverde, diretora de Sustentabilidade do Walmart, afirmou que as premissas do Pacto, ao qual a empresa aderiu “desde o primeiro momento”, coincidem com a política de atuação global do grupo. Gerente de Sustentabilidade e Conformidade Social da C&A, Giuliana Ortega relatou que a rede varejista, desde 2006, tem uma empresa própria de auditoria de seus fornecedores. “Já realizamos mais de 10 mil auditorias”, disse.
No final do evento, o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto lançou a Cartilha das Confecções, um guia explicativo sobre trabalho escravo na cadeia têxtil, que tira dúvidas trabalhistas e indica onde buscar ajuda. Estruturado de forma didática e em linguagem simples, ele deve contribuir para o esclarecimento desse setor tão crítico, dominado por micro e pequenas empresas. A cartilha será distribuída gratuitamente a todos os interessados em seu conteúdo.
Veja as seguintes apresentações feitas durante o seminário:
- Projeto de Reestruturação do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, por Mariana Parra, do Instituto Ethos;
- Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, por Leandro de Souza, do Instituto Observatório Social.
Acesse também a versão digital da Cartilha das Confecções, lançada durante o seminário.
Por Denise Ribeiro, para o Instituto Ethos
Na foto: Leandro de Souza, do Observatório Social; Caio Magri, do Instituto Ethos; Fernanda Carvalho, da OIT; e Mariana Parra, do Instituto Ethos.
Crédito: Repórter Brasil