Estudo do Credit Suisse sobre distribuição de renda mostra que a desigualdade cresce em meio a um mundo que produz cada vez mais riquezas.

Por Sérgio Mindlin*

O Credit Suisse, um dos maiores grupos financeiros do mundo, lançou esta semana um estudo sobre a desigualdade no mundo, chamado Credit Suisse Wealth Report 2013.

Trata-se de um dos mais completos mapeamentos sobre a distribuição da riqueza e da pobreza no mundo atual, que desemboca na seguinte conclusão: cinco anos depois da quebra de grandes conglomerados financeiros, como o Lehman Brothers, o produto interno bruto (PIB) mundial atingiu a maior marca de sua história.

Toda a riqueza produzida pelos países em 2012-2013 somou US$ 241 trilhões. Se esse total fosse dividido proporcionalmente pela população mundial, a média da riqueza seria de US$ 51.600 anuais por pessoa, quantia suficiente para garantir vida digna a todos. No entanto, não é o que acontece. A riqueza está mais concentrada do que nunca. Os 10% mais ricos detêm 86% dessa riqueza, sendo que apenas 0,7% da população mundial detêm 41% dela.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em dinheiro, seria assim a divisão desse PIB trilionário: os 0,7% que possuem renda acima de US$ 1 milhão por ano concentram US$ 98,7 trilhões de riquezas; os 7,7% que possuem renda anual entre US$ 100 mil e US$ 1 milhão detêm US$ 101,8 trilhões desse PIB; os 22,9% com renda entre US$ 10 mil e US$ 100 mil por ano ficam com US$ 33 trilhões; e os 68,7% com renda anual de até US$ 10 mil dólares acessam 7,3 trilhões de dólares do PIB.

Entre as nações mais ricas do planeta, a Austrália é o país com a média de riqueza nacional mais bem distribuída entre a população: US$ 219 mil anuais por habitante.

Alerta da OIT

O aumento da desigualdade já havia sido apontado por um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lançado em junho. Na época, a entidade chamou a atenção para o aumento no número de pobres em 14 das 26 economias consideradas desenvolvidas, incluindo EUA, França, Espanha e Dinamarca.

Esse relatório também apontou a melhoria das condições sociais na América Latina. Entre 2010 e 2011, 57,1% da população dos países da região estavam empregados. Com o trabalho assalariado, cresceu também a classe média. Na comparação entre 1999 e 2010, a população dentro desse grupo social subiu 15,6% no Brasil e 14,6% no Equador.

De qualquer forma, ambos os estudos mostram que a desigualdade cresce em meio a um mundo que está produzindo riquezas.

E por que não conseguimos distribuí-la de maneira mais equânime? Porque a medida usada para medir a “riqueza das nações”, que é o PIB, não leva em conta as diferenças de renda, preocupando-se apenas com o crescimento econômico. Por isso, o crescimento do PIB não demonstra o grau de bem-estar da população de um país. E em razão dessa “falha”, vamos dizer assim, surgiu um consenso que vem sendo formado ao longo da última década de que é preciso mudar os critérios para se medir riqueza e pobreza. Tais critérios precisam aprofundar a “radiografia” da sociedade, e não apenas trazer dados sobre crescimento econômico indiscriminadamente.

Para entender, vamos lembrar como surgiu o PIB. Ele foi instituído como medida universal de riqueza em 1948. Mas foi “inventado” antes, durante os anos 1940, pelo economista inglês Richard Stone, com a melhor das intenções: em meio à recessão e à guerra, preocupado em dar mais segurança para governos e investidores a respeito das economias dos países, ele relacionou alguns parâmetros que, agregados numa fórmula, mostrariam o “crescimento” dos diversos setores econômicos e indicariam as melhores oportunidades para investimentos privados e públicos.

Assim surgiu o PIB. Ele é, na verdade, um método de monitorar e medir, mês a mês, a produção da indústria, da agropecuária e do setor de serviços, o consumo das famílias, os gastos do governo, os investimentos das empresas e a balança comercial. Entra no cálculo o desempenho de 56 atividades econômicas e a produção de 110 mercadorias e serviços.

Tornou-se medida universal em 1948, por consenso entre os países. O PIB atendia às concepções da época, segundo as quais as economias precisavam se basear em mais consumo e mais produção para serem consideradas dinâmicas e saudáveis. Assim, nesse cálculo de desempenho entra tudo: construção de escolas e da bomba atômica, desde que faça o consumo crescer. O PIB é também imediatista, porque só considera o que pode ser verificado no curto prazo.

Mas o desenvolvimento econômico, que tem a ver com o bem-estar e a qualidade de vida de cada ser humano, não pode ser submetido a pressões contínuas de curto prazo. Qualidade na educação e na saúde, por exemplo, não tem sua evolução medida mês a mês, mas em períodos mais longos.

Por isso, instituições financeiras, fundações, órgãos multilaterais e até governos nacionais vêm se empenhando em desenvolver e estabelecer um novo padrão de verificar o desempenho dos países. Buscam medidas que mostrem um retrato mais profundo de cada nação, para trazer à tona os problemas e as oportunidades de melhoria.

Uma dessas alternativas ao PIB foi a proposta de um novo PIB feita por economistas que ganharam o Prêmio Nobel, como Joseph Stiglitz e Amartya Sem, entre outros. Sob o patrocínio do então presidente francês, Nicolas Sarkozy, eles se reuniram numa comissão em 2010 e apresentaram um relatório com sugestões de como fazer o velho PIB virar algo mais antenado com os problemas reais da humanidade e ajudar os governos a resolver problemas como o combate à fome e o equilíbrio ambiental.

Se as sugestões da Comissão Sarkozy fossem adotadas, qual seria o desempenho dos países?

Especialistas da agência estatística da França fizeram esse teste em 2010. Eles usaram o relatório para comparar as evoluções de seis países: Alemanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Num dos critérios sugeridos para esse novo PIB, a “esperança de vida com boa saúde”, por exemplo, a Alemanha tem uma das maiores taxas de longevidade da Europa – 85 anos. Mas, em “boa saúde”, não chega aos 60 anos. Se essa informação fosse avaliada pelos planejadores, a Alemanha deveria mudar várias políticas públicas – de saúde, de lazer, de educação – para fazer com que a “boa saúde” andasse junto com a “expectativa de vida”. Se essa diferença fosse descontada do PIB alemão, qual seria a posição desse país na geopolítica?

Quanto à pobreza, se um novo PIB fosse utilizado, o mapa do mundo também teria alterações profundas. Os estatísticos franceses aceitaram como linha demarcatória de pobreza a sugestão do relatório Sarkozy, que propõe 60% da renda média de cada país rico, depois das transferências sociais. Por esse viés, 25% dos domicílios dos EUA e 20% daqueles na Itália e no Japão estão na pobreza há mais de 20 anos.

Ou seja, o PIB atual não mostra a real riqueza das nações.

Índice de Progresso Social

Outra iniciativa para avaliar bem-estar e desempenho econômico foi apresentada recentemente no Brasil, durante a Conferência Ethos 2013: o Índice de Progresso Social (IPS), que busca medir o esforço feito pelo país para atingir determinado nível de bem-estar. Elaborado por um dos “gurus” da competitividade e do valor compartilhado, o professor de Harvard Michael Porter, o IPS mostra o Brasil como um país avançado socialmente (18º. entre 50 nações avaliadas), pois tem sido eficiente em transformar crescimento econômico em qualidade de vida. Mas ainda possui desigualdades estruturais que precisam ser resolvidas, principalmente em: segurança pública; acesso ao ensino superior e qualidade da saúde; necessidades humanas básicas, como água e saneamento; defesa dos direitos da mulher; e sustentabilidade do ecossistema.

Com outras medidas, focadas também em progresso social e equilíbrio ambiental, os governos poderiam adotar políticas públicas dirigidas a resolver esses problemas. Seria uma total inversão de prioridades: foco no melhor em vez de no mais, com impactos positivos sobre toda a comunidade humana.

Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.