Embora a aprovação do projeto de lei na Câmara seja um passo positivo, existem pontos que merecem atenção e devem ser revistos no Senado.
Por Bruno Maeda e Carlos Ayres*
Em 24 de abril de 2013, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) n° 6.826, de
2010, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos, em especial os de corrupção, contra a administração pública, nacional ou estrangeira, tendo como um de seus principais objetivos fazer com que o Brasil atenda os compromissos internacionais de combate à corrupção que assumiu. Com a aprovação pela Comissão Especial, o PL deverá ser encaminhado ao Senado e a expectativa é de que ele seja votado em breve.
O texto do projeto de lei prevê que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas pelos atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não. As sanções previstas para as pessoas jurídicas infratoras são pesadas: multa de 1% a 20% do faturamento bruto da empresa (ou de até R$ 60 milhões, caso não seja possível utilizar o critério do faturamento bruto); publicação extraordinária da decisão condenatória; perdimento de bens; suspensão ou interdição das atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica; e proibição de receber incentivos, subsídios, doações ou empréstimos públicos.
Muitas das situações e sanções previstas neste PL já estão presentes em outras leis atualmente em vigor, como a Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92), a Lei de Licitações (8.666/93) e a lei que reformulou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (12.529/11). O PL n° 6.826, entretanto, preenche algumas lacunas verificadas nas referidas leis, além de contemplar as condutas praticadas contra a administração pública estrangeira. Sua aplicabilidade, em tese, será mais fácil, pois na aplicação de algumas sanções bastará existir a comprovação de que o ato lesivo foi praticado no interesse ou em benefício da pessoa jurídica.
Diversos aspectos do PL já são aplicáveis a um grande número de empresas multinacionais que atuam no Brasil (tanto de origem estrangeira quanto de origem brasileira), por conta do alcance extraterritorial de algumas importantes legislações estrangeiras anticorrupção, como a US Foreign Corrupt Practices Act, lei norte-americana sobre práticas de corrupção fora dos Estados Unidos, e a UK Bribery Act, lei anticorrupção britânica. Assim, a aprovação do PL fará com que todas as pessoas jurídicas com atuação no Brasil (sejam elas parte de grupo multinacional sujeito a legislações estrangeiras mais rígidas ou empresas com atuação puramente nacional) estejam submetidas a regras e obrigações semelhantes em matéria de combate à corrupção.
O PL n° 6.826, entretanto, não trata apenas da aplicação de sanções a pessoas jurídicas. Na linha de legislações anticorrupção de sucesso adotadas por outros países, o PL traz importantes avanços para a legislação nacional, de forma a privilegiar as pessoas jurídicas que se preocupam em atuar de forma lícita.
Ao tratar da aplicação das sanções, por exemplo, o PL dispõe que “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”, entre outros fatores, serão levadas em consideração na aplicação das sanções previstas na lei. Esse dispositivo permite a diminuição da pena se ficar demonstrado que a empresa tinha um programa de compliance e que tal programa era, de fato, colocado em prática.
Outro importante dispositivo da norma proposta estabelece que a “cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações” também será levada em conta para a aplicação da pena. A cooperação na apuração das infrações e a comunicação de atos ilegais às autoridades são muito comuns em outros países e, com a aprovação deste PL, também será algo novo na legislação anticorrupção brasileira.
A possibilidade de que as empresas que tenham programas de compliance efetivos e que cooperem com as autoridades na apuração de irregularidades passem a ter um tratamento diferenciado, mais benéfico, é algo extremamente positivo.
Ademais, o PL permite que a administração pública celebre acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos nele previstos que colaborem efetivamente com as investigações. A celebração do acordo de leniência não isentará a pessoa jurídica da obrigação de reparar o dano causado. Entretanto, todas as sanções administrativas e judiciais previstas no PL serão excluídas, salvo a multa, que será reduzida em até dois terços.
É fundamental, entretanto, que o PL seja aprovado no futuro próximo e, principalmente, que seu texto esteja de acordo com os preceitos e requisitos da Convenção Anticorrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A falha do Brasil em adotar legislação que atenda esses preceitos poderá, em última instância, trazer prejuízos econômicos para as empresas brasileiras, na medida em que a OCDE, na próxima avaliação sobre o Brasil (que ocorrerá em junho de 2014), poderá, inclusive, recomendar que as empresas estrangeiras tenham cautela na escolha de empresas brasileiras como seus parceiros comerciais.
Embora a aprovação do PL na Câmara seja um passo positivo – tendo em vista que sua tramitação estava caminhando lentamente –, existem pontos que merecem atenção e devem ser revistos no Senado, para que o Brasil possa ter uma legislação efetiva de combate à corrupção e atenda às exigências da Convenção da OCDE, fatores essenciais para que nosso país seja bem avaliado em 2014. Uma avaliação positiva, mais do que indicar que o Brasil segue os compromissos assumidos na Convenção, sinaliza que o país é um lugar seguro para transações comerciais lícitas, pois indica haver instituições fortes, transparência, informações e punições para eventuais irregularidades, fatores que atraem investimento e, como consequência, geram desenvolvimento.
As pessoas jurídicas precisam estar atentas aos impactos que serão trazidos pela futura lei e, desde já, devem preparar-se para sua entrada em vigor, especialmente por meio da criação, manutenção e atualização de programas de compliance efetivos, que, mais do que nunca, terão fundamental importância para que elas previnam e detectem eventuais desvios (permitindo que possam decidir, inclusive, sobre a conveniência de reportar voluntariamente às autoridades), bem como para a atenuação de eventuais sanções a serem aplicadas.
* Os advogados Bruno Maeda e Carlos Ayres são coordenadores da Comissão Anticorrupção e Compliance do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e atuam no escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.
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Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.
Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
– O capital natural, de Roberto Strumpf;
– Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
– Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
– Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
– As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu; e
– Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch.