Por Paulo Itacarambi*
A exploração das camadas de petróleo do pré-sal irá trazer uma séria de impactos para as cidades do litoral norte de São Paulo e da Baixada Santista.
No litoral norte, a Petrobras já iniciou investimentos para ampliar as instalações do porto de São Sebastião e a Rodovia dos Tamoios – que liga a capital paulista ao litoral norte. Além disso, vai construir uma rede de dutos pela qual passará o petróleo até o terminal marítimo e uma nova rodovia entre os municípios de Caraguatatuba e São Sebastião.
Hoje, circulam na Rodovia dos Tamoios e no porto de São Sebastião quase 3.000 caminhões por dia. Estudos projetam para 2035 um acréscimo de 7.000 caminhões no tráfego diário dessa área. . Com a ampliação do porto e da rodovia, a capacidade subirá para 10 mil por dia.
O pré-sal também vai alterar a configuração urbana das cidades, com novas indústrias e residências. As cidades do litoral norte paulista que receberão o impacto do pré-sal são Bertioga, Caraguatatuba, Ubatuba, São Sebastião e Ilhabela.
Na Baixada Santista, já foram iniciadas as obras de modernização do porto de Santos e de ampliação da rede de saneamento básico nas oito cidades que compõem a região: Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Peruíbe, Mongaguá e Praia Grande.
Um dos resultados positivos do pré-sal para essas regiões é a criação de empregos. Em Santos, estima-se que só o pré-sal vá criar 11 mil empregos diretos e indiretos até 2014. Com esse incremento, o número de vagas nos outros setores da economia deve crescer 30%, com efeitos também no Guarujá e na Praia Grande. De acordo com o relatório de julho de 2012 do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego, a cidade criou 11 mil vagas formais, contabilizando todos os setores da economia.
No que diz respeito a meio ambiente, vale lembrar que 70% das áreas desses municípios são de preservação ambiental. No entanto, elas são constatemente ameaçadas pelo aumento de moradias irregulares.
Uma das causas das ocupações irregulares é o déficit habitacional do Estado de São Paulo, de 1 milhão de moradias. Desse total, 70% estão nas regiões do Vale do Paraíba, do litoral norte, da Baixada Santista, da Grande Campinas e da Grande São Paulo.
Santos tem um população fixa de 1,6 milhão de habitantes e o litoral norte, de aproximadamente 500 mil. Em ambas as regiões, o número de habitantes chega a triplicar nos períodos de férias, o que nos remete a outra causa da ocupação irregular de áreas de preservação: as moradias de veraneio.
Esse crescimento habitacional desordenado é que levou à ocupação de morros e de áreas preservadas, tanto por casas de veraneio quanto por favelas.
Com o pré-sal, a chegada de novos contingentes de moradores fixos vai aumentar a demanda por serviços de saúde, saneamento e educação. Também vai exigir soluções de mobilidade, de habitação e de serviços em geral.
Por isso, com o intuito de contribuir para as soluções, o Instituto Pólis, que desenvolve estudos em políticas públicas, com a participação dos diversos atores sociais, elaborou o Projeto Litoral Sustentável. Trata-se de um diagnóstico urbano socioambiental e um programa de desenvolvimento sustentável para essas regiões que está sendo levado a cabo com a participação da sociedade, dos governos e das empresas locais e o apoioda Petrobras.
Participação cidadã
O Projeto Litoral Sustentável abrange os treze municípios da Baixada Santista e do litoral norte e tem como objetivos: fomentar o desenvolvimento regional sustentável em municípios do litoral de São Paulo para propiciar melhores condições de vida para toda a população, de forma equilibrada com o meio ambiente; contribuir para o planejamento integrado das políticas públicas por meio de programas municipais e de um programa regional de desenvolvimento, com ações, projetos e metas de médio e longo prazo; e avaliar os impactos socioambientais no litoral paulista dos projetos econômicos previstos ou em andamento na região e da afluência de novas pessoas.
Foi dividido em duas etapas: a Fase 1, com diagnóstico urbano socioambiental dos 13 municípios que compõem a Baixada Santista e o litoral norte paulista; e a Fase 2, de elaboração dos programas municipais, para cada uma das treze cidades, e de programas regionais para a Baixada Santista e para o litoral norte.
O processo de diagnóstico incluiu o mapeamento de demandas sociais, da infraestrutura urbana e da legislação sobre a ocupação do território. Cada um dos municípios foi visitado e estudado em profundidade. Foram realizadas reuniões com o poder público, pesquisas de opinião, entrevistas com lideranças sociais e oficinas públicas para aprofundar a discussão sobre as fragilidades e potencialidades de cada uma das 13 cidades (Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande, São Vicente, Cubatão, Santos, Guarujá, Bertioga, São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba).
Em seguida, estão sendo feitas as devolutivas para cada município, começando pelo litoral norte.
Resultados do diagnóstico
Entre os principais desafios enfrentados no litoral norte estão as contradições do modelo de desenvolvimento urbano: ocupação fragmentada e dispersa baseada no modelo de segunda residência (veraneio); concentração de população de baixa renda próxima aos grandes condomínios; fragmentação e insuficiência de infraestrutura urbana (água, luz, esgoto); ocupações irregulares; e déficit habitacional. Em números, temos o seguinte:
– Na última década, o produto interno bruto (PIB) de Bertioga mais do que triplicou, passando de cerca de R$ 215 milhões, em 2000, para R$ 670 milhões, em 2009 (IBGE). A riqueza de Ubatuba foi avaliada em R$ 843,7 milhões, pelo IBGE, em 2009, mais do que o dobro registrado no ano 2000, de R$ 362,9 milhões. Em Ilhabela, o conjunto de riquezas produzido cresceu 268%, chegando a R$282 milhões em uma década. Nos últimos dez anos, Caraguatatuba também teve um aumento em seu PIB, que passou de R$ 422 milhões, em 2000, para R$ 1,2 bilhão, em 2010.
Apesar desse crescimento, o estudo verificou também:
– Uma alta informalidade nas relações de trabalho. Em Ubatuba, 50% dos trabalhadores não têm carteira assinada, 47% em Bertioga, 38,7% em São Sebastião, 44% em Ilhabela e 43% em Caraguatatuba. A taxa nacional é de 41%.
– Em Ubatuba, 50% dos domicílios são casas de veraneio. Em Bertioga, o total é de 62%; Caraguatatuba, 43,1%; São Sebastião, 38,39%; e Ilhabela, 28,21%.
– São Sebastião e Ubatuba gastam uma média de 12% do orçamento municipal com coleta e tratamento de resíduos.
– As ocupações irregulares proliferam. Em Caraguatutuba, há 19 núcleos. Ilhabela apresenta 15 assentamentos precários e, em São Sebastião, a concentração de pessoas que vivem nessa situação varia de 1.000 a 3.500 habitantes por hectare. Em Ubatuba, o número de loteamentos irregulares é de 64 núcleos, com 9.000 moradias.
– Quanto às áreas de conservação, Ubatuba possui 87,04% de sua área recoberta por vegetação nativa, enquanto Ilhabela tem 87,7%. Bertioga tem 91% e está entre os municípios que possuem a maior cobertura vegetal proporcional de Mata Atlântica em todo o Estado de São Paulo. São Sebastião tem 72% do território coberto pelo Parque Estadual da Serra do Mar. Já Caraguatatuba tem 74,98 % de área preservada.
O diagnóstico sobre as cidades da Baixada Santista será entregue durante o mês de setembro.
Próximos passos
Depois da apresentação dos resultados para cada uma das cidades, o Instituto Pólis vai organizar uma reunião geral com representantes da sociedade e dos governos de todos os municípios envolvidos no estudo, para a definição dos projetos de desenvolvimento sustentável de cada cidade e das regiões. O objetivo é que esses planos já estejam prontos quando os novos prefeitos tomarem posse, em janeiro de 2013.
Programa Cidades Sustentáveis
No processo de elaboração dos planos municipais e regionais, a sociedade civil e os governos dessas cidades têm à sua disposição o Programa Cidades Sustentáveis, uma agenda completa de sustentabilidade urbana associada a indicadores e casos exemplares, como referências a serem seguidas pelos gestores públicos.
Das treze cidades abrangidas pelo projeto Litoral Sustentável, apenas os candidatos a prefeito de Mongaguá e Bertioga ainda não assinaram o Programa Cidades Sustentáveis. Para facilitar a elaboração desses projetos de desenvolvimento sustentável, o Ethos e a Rede Brasileira por Cidades Sustentáveis e Justas lançaram, no último dia 24 de agosto, as Metas de Sustentabilidade para Municípios Brasileiros. Elas integram o Programa Cidades Sustentáveis e trazem indicadores e referências em 12 eixos relacionados ao desenvolvimento sustentável dos municípios.
Um dos eixos, por exemplo, é o de Bens Naturais e Comuns, que traz o indicador de Área Verde por Habitante. O ideal da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que haja 15 metros quadrados de área verde por habitante. Em pesquisa realizada em 2009 pela Universidade Santa Cecília (Unisanta), de Santos, verificou-se que a cidade tem 13,6 m2 de áreas verdes por habitante, mas desigualmente distribuídas. O Morro da Nova Cintra possui 171,9 m2 de área verde por habitante, enquanto o bairro do Campo Grande tem 0,07 m2 por habitante. As praias de José Menino, Gonzaga, Boqueirão, Embaré, Aparecida e Ponta da Praia possuem menos de 5 m2 de área verde por habitante.
Ainda no eixo de Bens Naturais e Comuns, há o indicador de Balneabilidade, com meta de 100% de praias boas para banho. No verão de 2012, a Cetesb avaliou que 30 das 165 praias do litoral paulista não eram adequadas para banho, a maioria delas localizadas nas regiões abrangidas pelo estudo Litoral Sustentável.
No eixo Equidade, Justiça Social e Cultura da Paz, há o indicador Crimes Violentos Fatais, cuja meta é zerá-los. No balanço de 2011, divulgado pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Caraguatatuba liderava o ranking de homicídios, com 41,91 casos por 100 mil habitantes. Em Santos, houve uma redução de 36 homicídios por 100 mil habitantes, em 2010, para 26, em 2011.
As metas e o Programa Cidades Sustentáveis são ferramentas que estão à disposição das cidades para contribuir na elaboração de modelos de desenvolvimento sustentável. É importante destacar que a Baixada Santista e o litoral norte do Estado estão transformando os problemas do crescimento desordenado, que seriam amplificados muitas vezes pelo impacto do pré-sal, em oportunidade de não só corrigi-los, mas de transformar a própria vida urbana no rumo da sustentabilidade.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente do Instituto Ethos.