A lei anticorrupção, que entrará em vigor em janeiro, penaliza as próprias empresas envolvidas em corrupção, e não apenas seus executivos.
Por Paulo Itacarambi*
Por que as empresas continuam entrando na roda da corrupção? Não dá para entender, diria o leitor que olha o assunto de fora, sem conhecer as condições intrínsecas da situação. As empresas são cada vez mais fiscalizadas pelo poder público, vigiadas pela sociedade por meio da mídia e tem aumentado o controle dos órgãos públicos e o rigor da legislação. Enfim, a empresa que participa da corrupção corre o risco de multas altas, de perda de reputação e valor de mercado e até de dissolução. As empresas sabem e veem isso acontecer no Brasil. Ainda assim, continuam participando. Por quê?
Vamos olhar as diferentes situações de corrupção e os dilemas envolvidos.
A primeira situação corresponde àquelas empresas que são articuladoras dos esquemas por fora da administração pública ou em conjunto com agentes públicos. Usam essas ações como forma de ampliar seu próprio lucro e crescimento. A corrupção faz parte do seu modus operandi. Em relação a esse tipo de empresa, é razoável supor que ou ela muda ou o movimento da sociedade fará com que ela seja extinta em breve, pois escolheu o caminho do precipício.
Há um segundo tipo de situação em que as empresas entram no esquema porque pensam que “é assim que as coisas funcionam”. De fato, a corrupção tem perdurado por tanto tempo e se ramificado para quase todos os escalões do serviço público, em todos os âmbitos e poderes, sem que tenha havido as devidas punições, que muitos podem achar que ela é algo “natural”. E não só no Brasil. Essa ideia, inclusive, permeia estudos de muitos economistas. Eles chegaram até a estabelecer um “valor aceitável” para a corrupção num “país civilizado”: entre 1 e 2% do PIB. Essa naturalização do problema é que torna a corrupção ainda mais difícil de ser combatida.
A empresa acha natural pagar “pedágio”, imaginado que quem está praticando a corrupção é o agente público. Engano, quem está pagando esse “pedágio” também é corrupto. Aliás, na União Europeia, antes do estabelecimento das Diretrizes Anticorrupção da OCDE, as multinacionais do continente contabilizavam as propinas pagas a agentes públicos ou privados em países da América Latina, Ásia e África como “despesas de representação”. Mas, nos anos 1990, as múltis começaram a usar esse “truque” para encobrir a corrupção no próprio continente europeu. Essa situação criou as condições para a OCDE estabelecer suas diretrizes contra o suborno, determinando a todos os países signatários (como o Brasil) que estabeleçam leis para punir empresas nacionais envolvidas em corrupção no estrangeiro.
A terceira situação refere-se às empresas que são “achacadas” por fiscais e aceitam submeter-se às propostas por vários motivos. O principal deles é a insegurança quanto ao rito processual e o tempo de obtenção de certidões e alvarás, devido à falta de garantia de que não haverá interferências arbitrárias no processo. Outro motivo é a falta de confiança e de informação sobre a quem apresentar reclamação ou denúncia. As empresas têm receio de apresentar a queixa justamente para o chefe do esquema. Assim, entre correr o risco de levar anos para conseguir um “habite-se” ou um comprovante de quitação de ISS ou de IPTU, colocando a empresa em risco financeiro pelo prazo de execução da obra, o executivo faz as contas e considera valer mais correr o risco de pagar do que o de denunciar.
As empresas precisam entender que essa conta está furada. Esse é um tipo de risco que não vale a pena correr. Todavia, a situação não se resolve só com a mudança de comportamento da empresa. A administração pública precisa criar uma estrutura confiável para receber e apurar denúncias desses achaques; precisa também garantir o rito processual dos documentos necessários para o funcionamento dos negócios, para que as empresas não fiquem à mercê da boa vontade de fiscais.
A quarta situação é aquela em que a empresa tudo vê, mas nada faz, com medo de que se abata sobre ela a mão pesada do Estado, uma vez que, no emaranhado da nossa legislação, ninguém sabe se está faltando “um papel” ou “um carimbo”. Nesse caso, quanto mais avancem a legislação, a mobilização da sociedade e a redução da impunidade, mais elas vão se sentir encorajadas a agir e denunciar.
Uma lei que vai entrar em vigor em 29 de janeiro de 2014 vai, de certo, contribuir muito para mudar o cenário da corrupção no Brasil. Estou falando da Lei 12.486/2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção Empresarial, que foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em agosto deste ano, depois de tramitar pelo Congresso por três anos.
O que essa lei tem de diferente em relação às outras leis anticorrupção do país? Ela pune a pessoa jurídica que cometer atos lesivos contra a administração pública, aqui ou no estrangeiro, com multas de até 20% sobre o faturamento bruto, suspensão das atividades e até dissolução compulsória da companhia, bem como a proibição de recebimento de incentivos de órgãos públicos. Até agora, em casos de corrupção, apenas as pessoas físicas – executivos ou agentes públicos – têm sido processados; as empresas (PJs), não. Com a possibilidade de também atingir a empresa, fica mais fácil desmontar os esquemas.
O Instituto Ethos, as empresas e as organizações participantes do Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção orgulham-se de ter pedido e mobilizado o empresariado em favor da aprovação dessa lei.
Ela atende a compromissos internacionais do Brasil com a OCDE. É por causa de leis semelhantes já aprovadas em seus países de origem que a investigação no Brasil das empresas do cartel da CPTM e do metrô pode contar com o progresso das investigações naqueles países.
Se a nossa lei anticorrupção já estivesse em vigor hoje, as empresas envolvidas nesse caso dos fiscais da Prefeitura de São Paulo teriam de pagar multas milionárias e poderiam até ter sua dissolução decretada.
A lei anticorrupção brasileira ainda precisa ser regulamentada e, para isso, em dezembro, o Instituto Ethos vai organizar um seminário, junto com a Controladoria-Geral da União (CGU), com o propósito de contribuir com subsídios para essa regulamentação. Acreditamos que essa lei realmente será um divisor de águas na história da integridade e do combate à corrupção no Brasil.
(*) Paulo Itacarambi é vice-presidente do Instituto Ethos e diretor-executivo do Uniethos.
Texto publicado originalmente no caderno Aliás, do jornal O Estado de S.Paulo, em 10 de novembro de 2013.