Reduzir as desigualdades está entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU
Nos últimos dez anos, a desigualdade transformou-se em um dos desafios mais complexos e desconcertantes da economia mundial.
Desigualdade de oportunidades. Desigualdade entre gerações. Desigualdade entre mulheres e homens. E, é claro, desigualdade de renda e de riqueza. Todas essas facetas da desigualdade estão presentes em nossas sociedades e, infelizmente, estão aumentando em muitos países.
A boa notícia é que dispomos dos meios para enfrentar esses problemas, desde que tenhamos a vontade de fazê-lo. A implementação de reformas é um processo politicamente difícil, mas os ganhos em termos de crescimento e produtividade valem o esforço.
Políticas de combate à desigualdade
Combater a desigualdade exige uma abordagem nova. Primeiro, é preciso repensar as políticas fiscais e a tributação progressiva.
A tributação progressiva é um componente essencial de uma política fiscal eficaz. Nossos estudos mostram que é possível elevar as alíquotas tributárias marginais no topo da distribuição de renda sem sacrificar o crescimento econômico.
O uso de ferramentas digitais na cobrança de impostos também pode ser um dos elementos de uma estratégia global para reforçar a receita interna. Reduzir a corrupção pode tanto melhorar a arrecadação como aumentar a confiança no governo. E, mais importante, tais estratégias podem gerar os recursos necessários para investir na ampliação das oportunidades para as pessoas e comunidades que estão ficando para trás.
A adoção de uma perspectiva de gênero na preparação do orçamento, conhecida como gender budgeting, é outra ferramenta fiscal valiosa na luta para reduzir a desigualdade. Embora muitos países reconheçam a necessidade de igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, os governos poderiam usar essa ferramenta para estruturar os gastos e a tributação de modo a dar novo ímpeto à igualdade de gênero, ampliando a participação das mulheres na força de trabalho e, dessa forma, impulsionando o crescimento e a estabilidade.
Segundo, as políticas de gastos sociais são cada vez mais importantes para combater a desigualdade. Quando bem aplicadas, conseguem cumprir um papel fundamental na mitigação da desigualdade de renda e de seus efeitos nocivos sobre a igualdade de oportunidades e a coesão social.
A educação, por exemplo, prepara os jovens para se tornarem adultos produtivos que contribuirão para a sociedade. A saúde salva vidas e também pode melhorar a qualidade de vida. Os programas de previdência social ajudam a preservar a dignidade dos idosos.
A capacidade de aumentar os gastos sociais também é essencial para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Um novo estudo do FMI mostra que a elevação necessária varia bastante entre os países.
Por exemplo: em áreas básicas como saúde, educação e infraestrutura prioritária, estimamos que as economias de mercados emergentes teriam que elevar os gastos a cada ano até chegar a um aumento de cerca de 4 pontos percentuais do PIB em 2030, enquanto a média dos países em desenvolvimento de baixa renda teria de despender o equivalente a um aumento de 15 pontos percentuais do PIB.
Terceiro, reformar a estrutura da economia poderia apoiar os esforços para combater a desigualdade ao reduzir os custos do ajuste, minimizar as disparidades regionais e preparar os trabalhadores para ocupar um número crescente de empregos verdes.
Políticas ativas para o mercado de trabalho — como a assistência na procura de emprego, os programas de capacitação e, em alguns casos, o salário-desemprego — podem melhorar a qualificação dos trabalhadores e encurtar os períodos de desocupação.
Facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre empresas, setores e regiões minimiza os custos de ajuste e promove uma recolocação rápida. Políticas de habitação, crédito e infraestrutura podem ser úteis nesse sentido.
Políticas e investimentos direcionados a determinadas áreas geográficas podem complementar as transferências sociais já existentes.
Como o FMI apoia os países na redução da desigualdade
Ao longo da última década, o combate à desigualdade passou a figurar como um dos elementos do trabalho do FMI nas áreas de supervisão, concessão de crédito, estudos e desenvolvimento de capacidades, uma tendência que será mantida na próxima década.
Uma pedra angular de nossa abordagem às questões de inclusão econômica é nossa estratégia para os gastos sociais.
Nosso envolvimento com os países parte da premissa de que os gastos sociais precisam ser adequados, mas também eficientes e financiados de forma sustentável. Não são apenas critérios. São princípios que norteiam nossa assessoria em políticas.
Por exemplo, se os gastos sociais forem insuficientes para alcançar os ODS ou para proteger uma parcela significativa das famílias pobres e vulneráveis, então é preciso aumentá-los.
De maneira análoga, com a evolução demográfica, as questões de sustentabilidade fiscal passarão para o primeiro plano da discussão sobre gastos sociais, abarcando os gastos com saúde e previdência.
O mais importante é que mitigar os efeitos adversos do ajuste sobre os pobres e vulneráveis passou a ser, e continuará sendo, um objetivo fundamental.
A implementação na prática
Exemplos recentes de nosso envolvimento com os países na área de gastos sociais oferecem lições valiosas:
Durante a implementação do programa apoiado pelo FMI, o Egito mais do que dobrou a cobertura das transferências de renda, beneficiando 2,3 milhões de famílias.
Em Gana, ajudamos a criar espaço no orçamento para um aumento dos gastos com o ensino público — para que o país possa alcançar seu objetivo de universalização do ensino médio.
Assessoramos o Japão na formulação de opções para uma reforma da previdência, uma medida indispensável diante do envelhecimento da sua população.
Sabemos perfeitamente que mais um relatório bonito na estante não beneficia ninguém. Por isso, estamos empenhados em garantir que nossa estratégia para os gastos sociais esteja plenamente integrada a todas as nossas atividades, para que possamos adaptar melhor nossa assessoria às preferências e circunstâncias específicas de cada país.
Colaboração com os parceiros
Seja no combate à desigualdade, seja na assessoria sobre os gastos sociais, estamos conscientes de que não conseguiremos fazer tudo sozinhos.
Vislumbramos uma parceria entre organismos internacionais, acadêmicos, autoridades nacionais, sociedade civil e setor privado, trabalhando juntos para melhorar as políticas de gastos sociais e lançar as bases para o cumprimento dos ODS.
Por exemplo, reuni-me recentemente com os ministros do Trabalho do G-7, cuja ampla experiência em questões sociais e laborais pode enriquecer nossa assessoria em políticas. E nós do FMI podemos ajudar a destacar essas questões no contexto mais amplo do diálogo de política econômica sobre estabilidade e crescimento.
Além disso, organismos internacionais como o Banco Mundial e a Organização Internacional do Trabalho têm um conhecimento inestimável em matéria de gastos sociais.
E a sociedade civil, o meio acadêmico, os centros de estudo e os sindicatos também oferecem perspectivas únicas, que enriquecem nossas opiniões, ajudam-nos a resistir ao pensamento de grupo e permitem-nos apreciar melhor aspectos nacionais específicos.
Naturalmente, em se tratando de gastos sociais, não existe uma solução que se aplique a todos os casos. Os países têm preferências distintas, enfrentam desafios variados e aspiram a coisas diferentes. Contudo, se trabalharmos juntos, é mais provável que façamos as perguntas certas e, assim, encontremos as respostas certas.
Por: Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) – em ONU Brasil
Foto: Ninja Mídia