O recado das ruas é claro: as vias tradicionais de diálogo da sociedade com o Estado não estão conseguindo canalizar as demandas por mudanças.
O final de junho não pode significar o fim do importante ciclo de mudanças que as gigantescas mobilizações abriram para o país. Mesmo que as grandes passeatas nas principais cidades tenham cessado, a mensagem da necessidade de mudar permanece.
Foi inaugurada uma inovadora forma de participação, que pode ser ativada, a qualquer momento, para pressionar por mudanças.
O Brasil tem agora a oportunidade de colocar em prática as modificações necessárias para aprofundar a democracia direta, ampliar os espaços de diálogo entre Estado e sociedade e também criar um ambiente com maior integridade nas relações público-privadas.
E há muito que mudar para podermos dizer que vivemos num país justo, social e ambientalmente sustentável, democrático e ético.
Para nós, do Instituto Ethos, a saída para os problemas não é apagar todas as instituições brasileiras e começar do zero. Não acreditamos que seja possível uma democracia sem partidos políticos, sindicatos ou organizações da sociedade civil. Ou ainda que seja possível construir uma sociedade sustentável sem governo executivo, parlamento ou sistema judiciário.
Porém, o recado das ruas é claro: as vias tradicionais de diálogo da sociedade com o Estado não estão conseguindo canalizar as demandas por mudanças. Todos esses atores de interlocução, inclusive as organizações não governamentais, precisam refletir sobre esse momento e reapreender a escutar.
Esse é um aprendizado também para as empresas, que igualmente precisam analisar se os seus canais de comunicação com a sociedade e seus stakeholders são efetivos.
Nas últimas décadas, o Brasil conseguiu importantes avanços no combate à miséria e à desigualdade, o número de pessoas em todos os níveis educacionais aumentou e ainda foi possível incluir no mercado de trabalho milhões de pessoas, criando um mercado consumidor local grande o suficiente a ponto de diminuir os efeitos da crise econômica internacional.
Mas isso não basta.
Nós, do Instituto Ethos, acreditamos que, para garantir os direitos que os brasileiros foram às ruas exigir, é preciso que as políticas públicas abram espaço para a participação e o controle social. E essa sociedade brasileira, cada vez mais mobilizada, exige isso: participar ativamente e diretamente das decisões.
Uma resposta necessária às ruas é o avanço da democracia participativa. A população brasileira precisa ser consultada diretamente, por meio de audiências públicas, conferências temáticas, plebiscitos e referendos. Esses instrumentos, muitos dos quais presentes na Constituição Federal, precisam tornar-se comuns em nosso país.
Essa vontade de mudar que vem das ruas deve também ser aproveitada para dar uma nova energia aos conselhos de políticas públicas e às conferências. Essa inovadora experiência brasileira de democracia participativa precisa se reoxigenar. As instituições que participam desse processo têm de entender os pedidos das ruas e mudar hábitos.
De um lado, os governos precisam avançar no respeito às diferenças e na cultura do diálogo. Não se pode criar barreiras para a participação social nesses espaços, mas principalmente, é necessário passar a implementar as propostas que saem dessas conferências.
A 1ª Conferência Nacional de Transparência e Controle Social (Consocial), um dos processos de que o Ethos participou no ano passado, ilustra bem essa questão. Várias propostas aprovadas ali são as mesmas que a população vem apresentando nas ruas, como considerar a corrupção um crime hediondo, estabelecer punição para empresas corruptoras, aprovar o financiamento público de campanha e exigir ficha limpa para servidores públicos.
Mais de um ano depois da última plenária da Consocial, o governo federal ainda não publicou o Plano Nacional de Transparência e Controle Social, fruto dos debates da conferência, com ações e políticas públicas que podem fortalecer o combate à corrupção e a participação social. Ressalte-se que os governos estaduais e municipais também não publicaram seus respectivos planos.
Por outro lado, as organizações da sociedade civil precisam fazer um esforço para que as demandas de cada uma não sejam enxergadas de maneira isolada. É necessário voltar a pensar de maneira transversal, voltar a reconhecer que a garantia de um direito influencia a de outro.
Além de respostas políticas, o Brasil precisa pensar nas respostas econômicas. É necessário que nosso país dê o passo seguinte ao combate à miséria e reoriente nossa economia para garantir a produção de bens públicos. A melhoria da qualidade de vida dessa chamada “nova classe média”, e mesmo da classe média tradicional, agora só poderá vir com a melhoria dos serviços públicos.
Mas para isso o Brasil precisa criar a infraestrutura para os direitos que a população pede nas ruas: saúde, educação, transporte público e segurança.
Criar a indústria por trás desse serviço, que garanta saúde ou educação pública de qualidade custeada com os impostos, é um desafio que o governo, a sociedade civil e as empresas precisam enfrentar agora.
Às empresas, cabe inovar e orientar sua produção para esse novo modelo de desenvolvimento e, ao governo, mudar suas prioridades e passar a incentivar o desenvolvimento para bens coletivos, e não individuais.
É necessário que o debate sobre a priorização dos diversos temas pelo governo seja aberto à sociedade, sempre lembrando que prioridade se mede pelo volume dos investimentos.
Ao falar de prioridade de investimento, logo nos lembramos da Copa do Mundo de 2014, um dos alvos principais da indignação nas ruas. Os investimentos para sediar o Mundial de Futebol, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), estão em R$ 27,5 bilhões. Incluindo os gastos dos governos municipais e estaduais que não são acompanhados pelo TCU e os valores das isenções fiscais à Fifa e a suas organizações afiliadas, essa cifra pode ultrapassar os R$ 30 bilhões. É um volume grande de recursos, na sua maioria público. Esse valor equivale a quase sete vezes o que o governo federal gastou com ciência e tecnologia em 2012.
Uma pesquisa realizada por nós – os Indicadores de Transparência – mostra ainda que a transparência dada aos investimentos é ruim, tanto nas cidades como nos Estados que receberão os jogos da Copa. Nove das 11 cidades, dois dos Estados e o Distrito Federal foram classificados com um nível baixo de transparência. Quando avaliados apenas os canais de participação, a situação é ainda pior: dos 23 governos avaliados, 14 não realizaram nenhuma audiência pública para as obras do Mundial.
As decisões de para onde destinaremos os recursos públicos é essencial para que o Brasil lidere o desenvolvimento sustentável.
Nós, do Instituto Ethos, não acreditamos que sustentabilidade exista sem respeito aos direitos humanos. Por isso repudiamos a violência e a arbitrariedade do poder público em conter as manifestações e consideramos que as demandas sociais devem ser reivindicadas de forma respeitosa e não violenta.
Por último, gostaríamos de tratar de um tema que também foi comum à maioria das manifestações: o combate à corrupção. Desde 2005, nós trabalhamos com esse tema e gostaríamos de incluir para debate público algumas propostas as quais acreditamos que poderão ajudar no combate à corrupção.
As mobilizações ajudaram a apressar a tramitação do projeto de lei que estipulava punições para empresas corruptoras, a outra face da corrupção que quase nunca é lembrada. No último dia 4 de julho, o Senado Federal aprovou o texto, que agora só aguarda a sanção presidencial.
Mas há também ações em que o meio empresarial pode ser protagonista na construção de um país mais íntegro. A sua empresa pode participar do Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção e começar a construir políticas internas para prevenir atos ilícitos de seus funcionários ou de sua cadeia de valor. Existe também o Cadastro Pró-Ética, uma iniciativa do Instituto Ethos e da Controladoria-Geral da União, que reconhece e certifica as empresas que tenham políticas de conformidade e controle interno estruturadas e robustas.
Há ainda os Acordos Setoriais, como o que estamos implementando junto com empresas do setor de distribuição de energia elétrica. Os acordos são regras que as empresas voluntariamente decidem seguir para evitar práticas de concorrência desleal e ilegal entre si. Mais três acordos semelhantes estão em vista, nos setores de alta tecnologia para saúde, transporte e construção civil.
Acreditamos que essas ações voluntárias são uma das maneiras pelas quais as empresas podem dar uma resposta forte e efetiva aos clamores das ruas.
Instituto Ethos