Integrar os resultados para entender de forma mais ampla os impactos da empresa na sociedade é de uma lógica difícil de ser questionada.        

Por Álvaro Almeida*

O relato integrado rapidamente transformou-se no novo mito corporativo: todo mundo concorda que é bom, mas ninguém sabe exatamente como ele é. Talvez porque, em tese, faça todo sentido como uma evolução da comunicação de resultados das empresas, dividida hoje em dois universos paralelos: o desempenho econômico-financeiro, consolidado ao longo de mais de 50 anos de relato; e o socioambiental, que emergiu a partir do ano 2000, impulsionado pela atuação da Global Reporting Initiative (GRI). É como se fosse possível separar e guardar os lados de uma mesma moeda, um em cada bolso. Portanto, integrar os resultados, e consequentemente sua comunicação, para que se possa entender de forma mais abrangente os efeitos de uma companhia na sociedade é de uma lógica difícil de ser questionada.

O campo das certezas, no entanto, acaba por aí. A questão é como fazer. Integrar não é juntar, como hoje já é feito anualmente pelas empresas que tomaram a frente e uniram as informações financeiras e não financeiras num único processo de comunicação ao mercado. Integrar é entender as correlações, as causas e as consequências da tomada de decisão da empresa ao longo daquele período. Parte, então, de um pensamento integrado da alta direção, que emana para uma gestão integrada dos impactos das operações e culmina com uma comunicação integrada do desempenho alcançado.

Neste momento, 99% dos líderes de comunicação e sustentabilidade das empresas brasileiras já devem ter pensado: “Esse negócio ainda não é para mim”. De fato, talvez dê para contar nos dedos de uma mão as companhias que estão preparadas para produzir um relato integrado no ano que vem. No entanto, vale lembrar que a evolução da comunicação corporativa é um ponto sem retorno e o relato integrado surge como o novo patamar a ser conquistado ao longo desta década.

Até o final do ano, o International Integrated Reporting Council (IIRC), organização que reúne desde as entidades que estabelecem os standards para os balanços financeiros, a própria GRI, as grandes auditorias globais e representantes de empresas, analistas e investidores internacionais, lança as primeiras diretrizes para o relato integrado, fruto de um trabalho de três anos de debates.

Maturidade dos relatos

É preciso também ter em mente que a comunicação de resultados corporativos é um processo em permanente construção. Já se tornou um chavão a crítica aos relatórios de sustentabilidade: “Quem lê?”. Poucos, é claro. Mas, no estágio de implantação que ainda vivemos na maior parte das empresas, é mais importante o fazer do que o resultado. O processo de elaboração conecta áreas, amplia a consciência das pessoas, cria cultura de prestação de contas e transparência. É um ciclo de aprendizagem – uma forma de alfabetização do ambiente corporativo em sustentabilidade.

Nessa analogia, há muitas empresas que ainda estão nos ensinamentos fundamentais do relato da sustentabilidade, aprendendo o que é, como fazer contas e o que escrever. Outras, já alcançaram um nível intermediário e se dedicam a aprofundar essas práticas no dia a dia das operações, engajar mais colegas. E algumas poucas atingiram um nível superior, no qual estabelecer metas, mensurar e comunicar já são rotinas estabelecidas e o grande desafio está em como reconhecer e capturar valor no presente e no futuro. São companhias que já possuem uma trajetória entre cinco e dez anos de relato da sustentabilidade e, portanto, construíram repertório ao passar gradativamente por todas as fases de aprendizado anteriores. Portanto, essa formação não é trivial e os relatórios publicados anualmente podem ser encarados como o Enem do relato da sustentabilidade. São testes públicos nos quais checamos o grau de maturidade e o estágio das companhias.

O relato integrado propõe um novo patamar de aprendizado, ainda mais complicado. Não bastasse ter de refletir pensamento e gestão integrada, sua comunicação exige uma transformação cultural no mundo corporativo tradicional. Pede a construção colaborativa de conteúdo em empresas totalmente segmentadas por inúmeras áreas, que utilizam a informação como instrumento de poder e de sobrevivência no competitivo ambiente interno. Quebrar essa lógica é essencial para, de fato, integrar estratégia, gestão e desempenho financeiro e não financeiro. A boa notícia é que essa também é uma forma de induzir as empresas a atualizar seu modelo mental às novas demandas da sociedade, nas quais a interdependência fica cada vez mais explícita e a necessidade de cultivar relações verdadeiras passa a ser condição para a continuidade dos negócios.

Por onde começar

Uma série de empresas e entidades setoriais brasileiras especialmente envolvidas com o mercado de capitais está empenhada em dar os primeiros passos e entender como evoluir na direção de uma comunicação de resultados integrados. Essa, sem dúvida, será uma tecnologia que pouco a pouco ganhará corpo com o surgimento de boas práticas no Brasil e no Exterior, as quais rapidamente servirão de inspiração para novos desenvolvimentos. No momento, ainda estamos no campo das experimentações, mas os pioneiros, como sempre, devem tirar maior proveito por terem largado na frente.

Mesmo antes do lançamento da versão final das diretrizes do <IR> (símbolo como ficou conhecido o relato integrado – o processo, e não a peça de comunicação, que é o relatório integrado), a Report Sustentabilidade organizou grupos de estudo com empresas para entender os conceitos, discutir os desafios práticos e conhecer as primeiras experiências. Companhias como a AES, o Bradesco, a CSN, a Natura, o Itaú, o Santander e a SulAmérica participaram de seis encontros em São Paulo, cujo aprendizado foi reunido na publicação disponível no hotsite http://www.reportsustentabilidade.com.br/2013/relato-integrado. Um novo grupo está em curso no Rio de Janeiro, com a participação de Furnas, Oi, Previ e SulAmérica, e um novo conteúdo será gerado no início do próximo ano.

Destaco um trecho do prefácio da publicação, escrito por Lisa French, head de Relações Exteriores para as Américas do International Integrated Reporting Council: “Embora o IIRC busque avançar com o atual modelo de relatório corporativo, o relato em si não é o objetivo final. Pelo contrário, o <IR> estimula um deslocamento da mentalidade tradicional para uma que enxergue além dos números, no que se refere a entender melhor o contexto. Ao destacar conexões-chave entre estratégia, modelo de negócios e geração de valor no longo prazo, o relatório integrado desafia a forma com que as empresas e os provedores de capital financeiro gerenciam e alocam recursos. De fato, isso representa uma oportunidade de mudar o foco do relatório do desempenho financeiro histórico para a geração de valor no mais longo prazo. Sob esse aspecto, o <IR> ajuda a superar um paradigma de curto prazo prevalecente, que, se não for contido, continuará a comprometer a estabilidade dos mercados, ameaçar a solidez das empresas e testar os limites do planeta”.

Mãos à obra!

*O jornalista Álvaro Almeida é diretor de Planejamento da Report Sustentabilidade e lidera a organização da Conferência Internacional Sustainable Brands Rio 2014.

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Este texto faz parte da série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.

Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
– O capital natural, de Roberto Strumpf;
– Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
– Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
– Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
– As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu;
– Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch;
– PL n° 6.826/10 pode alterar cenário de combate à corrupção no Brasil, de Bruno Maeda e Carlos Ayres;
– Engajamento: o caminho para relações do trabalho sustentáveis, de Marcelo Lomelino;
– Sustentabilidade na cadeia de valor, de Cristina Fedato;
– Métodos para integrar a responsabilidade social na gestão, de Jorge Emanuel Reis Cajazeira e José Carlos Barbieri;
– Generosidade: o quarto elemento do triple bottom line, de Rogério Ruschel;
– O que mudou na sustentabilidade das empresas, de Dal Marcondes;
– Responsabilidade social empresarial e sustentabilidade para a gestão empresarial, de Fernanda Gabriela Borger;
– Os Dez Mandamentos da empresa responsável, de Rogério Ruschel;
– O RH como alavanca da estratégia sustentável, de Aileen Ionescu-Somers;
– 
Marcas globais avançam na gestão de resíduos sólidos, de Ricardo Abramovay;
– Inclusão e diversidade, de Reinaldo Bulgarelli;
– Da visão de risco para a de oportunidade, de Ricardo Voltolini;
– Medindo o bem-estar das pessoas, de Marina Grossi;
– A quantas andam os Objetivos do Milênio, de Regina Scharf;
– Igualdade de gênero: realidade ou miragem?, de Regina Madalozzo e Luis Cirihal;
– Interiorização do Desenvolvimento: IDH Municipal 2013, de Ladislau Dowbor;
– Racismo ambiental: derivação de um problema histórico, de Nelson Inocêncio; e
Procuram-se líderes da sustentabilidade, de Marina Grossi e Marcos Bicudo.