O artigo mostra como as retóricas e controvérsias em torno desses conceitos são uma cortina de fumaça para a gestão das organizações.
Por Fernanda Gabriela Borger*
Nos últimos anos, as questões ambientais invadiram os negócios e mostraram a capacidade de se criar valor para clientes, acionistas e outras partes interessadas. As forças da globalização levaram empresas a incorporar a dimensão socioambiental na gestão.
Hoje, as empresas querem associar suas marcas a projetos, iniciativas e parcerias com ONGs, divulgam as Metas do Milênio, os Princípios Pacto Global, ostentam as ISOs, apresentam relatórios. Por outro lado, os gestores recebem uma avalanche de informações, banalizando as práticas e as políticas de responsabilidade social e os processos de gestão. Parece que as preocupações estão mais direcionadas a mostrar que somos “socialmente responsáveis” e “sustentáveis” do que integrar a dimensão socioambiental nos negócios. E ainda se supõe que “sustentável” se refere aos aspectos ambientais e “responsabilidade social” aos aspectos sociais, e que sustentabilidade é um novo modelo de negócios, mais “moderno” do que responsabilidade social.
Existe uma confusão sobre a definição de sustentabilidade. Peter Senge1 afirma que evita usar a palavra “sustentabilidade”, ou a utiliza o menos possível, porque é um termo tão genérico que as pessoas percebem como um “ideal a ser atingido”, é interpretado como “ser menos mau” e envolve retóricas e controvérsias que não criam um ambiente propício para a inovação e a busca de soluções.
Quais as razões para a confusão? O propósito deste artigo é mostrar a origem dos conceitos de sustentabilidade e responsabilidade social empresarial (RSE) e como as retóricas e controvérsias são uma cortina de fumaça para a gestão das organizações.
A ideia de sustentabilidade, ou desenvolvimento sustentável, começou em grande parte com a preocupação ambiental, que acabou por envolver as dimensões econômica e social e, a partir dos anos 1990, passou a incluir a responsabilidade social empresarial.
A evolução do conceito de responsabilidade social é diferente. Sua origem está nas questões éticas que envolvem a relação entre empresas e sociedade e na filantropia empresarial.
O conceito teórico de responsabilidade social originou-se na década de 1950, quando a literatura formal sobre responsabilidade social corporativa aparece nos Estados Unidos e na Europa. A preocupação dos pesquisadores daquela década era com a excessiva autonomia dos negócios e o poder destes na sociedade, sem a devida responsabilidade pelas consequências negativas de suas atividades, como a degradação ambiental, a exploração do trabalho, o abuso econômico e a concorrência desleal. Para compensar os impactos negativos da atuação das empresas, empresários se envolveram em atividades sociais para beneficiar a comunidade, fora do âmbito dos negócios das empresas, como uma obrigação moral.
A filantropia empresarial surgiu como um novo campo de atuação que vem conquistando crescente visibilidade no Brasil, vindo compartilhar e disputar espaços com outras formas de ações privadas em benefício público2. No entanto, a expressão “filantropia empresarial” está associada a referências históricas como caridade, paternalismo e assistencialismo, que têm uma conotação negativa, porque não trouxeram transformações sociais e econômicas efetivas para o desenvolvimento das comunidades. Hoje, quando se pensa em filantropia empresarial nota-se consenso sobre a exigência de que esse investimento ocorra como uma política da empresa, e não somente como um compromisso pessoal do empresário. Assim, buscaram termos alternativos para designar as ações próprias a esse campo, como investimento social, ação social empresarial, participação social ou comunitária da empresa ou desenvolvimento social2.
Uma das grandes questões que são levantadas em relação aos temas sociais e ambientais é se estes afetam a competitividade das empresas. Segundo a visão clássica da empresa, incorporar as questões sociais e ambientais além da obrigação legal eleva os custos e reduz o lucro das empresas. O debate sobre o conteúdo e extensão da responsabilidade social nos negócios foi intenso, no sentido de contrapor o desempenho econômico ao social e ambiental.
O papel das empresas incluiria lucros, mas, em vez da maximização do lucro de curto prazo, os negócios deveriam buscar lucros de longo prazo, obedecer às leis e regulamentações, considerar o impacto não mercadológico de suas decisões e procurar maneiras de melhorar a sociedade por uma atuação orientada para a responsabilidade e sustentabilidade dos negócios2.
O conceito de desenvolvimento sustentável está hoje totalmente integrado ao conceito de responsabilidade social: não haverá crescimento econômico em longo prazo sem progresso social e também sem cuidado ambiental. Todos os lados devem ser vistos e tratados com pesos iguais. Mesmo porque estes são aspectos inter-relacionados. Da mesma forma que o crescimento econômico não se sustenta sem uma equivalência social e ambiental, programas sociais ou ambientais corporativos não se sustentarão se não houver o equilíbrio econômico da empresa.
A figura a seguir apresenta a evolução de conceitos de RSE e sustentabilidade
O modelo da sustentabilidade é uma nova forma de fazer negócios, que tem como pressuposto o novo papel da empresa na sociedade. Sustentabilidade e responsabilidade social trazem para o modelo de negócios a perspectiva de longo prazo, a inclusão sistemática da visão e das demandas das partes interessadas, e a transição para um modelo em que os princípios, a ética e a transparência precedem a implementação de processos, produtos e serviços.
* Pesquisadora e consultora da Fipe, Fernanda Gabriela Borger é professora da FIA e do Programa de Educação Continuada GVPEC.
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Notas
1 SENGE, Peter. “The Sustainable Supply Chain an Interview with Peter Senge”, por Steven Prokesch. Harvard Business Review, outubro de 2010
2 BORGER, Fernanda Gabriela. Responsabilidade Social: Efeitos da Atuação Social na Dinâmica Empresarial (tese de doutorado), Departamento de Administração. São Paulo:USP, 2001
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Este texto faz parte de uma série de artigos de especialistas promovida pela área de Gestão Sustentável do Instituto Ethos, cujo objetivo é subsidiar e estimular as boas práticas de gestão.
Veja também:
– A promoção da igualdade racial pelas empresas, de Reinaldo Bulgarelli;
– Relacionamento com partes interessadas, de Regi Magalhães;
– Usar o poder dos negócios para resolver problemas socioambientais, de Ricardo Abramovay;
– As empresas e o combate à corrupção, de Henrique Lian;
– Incorporação dos princípios da responsabilidade social, de Vivian Smith;
– O princípio da transparência no contexto da governança corporativa, de Lélio Lauretti;
– Empresas e comunidades rumo ao futuro, de Cláudio Boechat;
– O capital natural, de Roberto Strumpf;
– Luzes da ribalta: a lenta evolução para a transparência financeira, de Ladislau Dowbor;
– Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada, de Antônio Carlos Carneiro de Albuquerque e Cyrille Bellier;
– Como nasce a ética?, de Leonardo Boff;
– As empresas e o desafio do combate ao trabalho escravo, de Juliana Gomes Ramalho Monteiro e Mariana de Castro Abreu;
– Equidade de gênero nas empresas: por uma economia mais inteligente e por direito, de Camila Morsch;
– PL n° 6.826/10 pode alterar cenário de combate à corrupção no Brasil, de Bruno Maeda e Carlos Ayres;
– Engajamento: o caminho para relações do trabalho sustentáveis, de Marcelo Lomelino;
– Sustentabilidade na cadeia de valor, de Cristina Fedato;
– Métodos para integrar a responsabilidade social na gestão, de Jorge Emanuel Reis Cajazeira e José Carlos Barbieri;
– Generosidade: o quarto elemento do triple bottom line, de Rogério Ruschel; e
– O que mudou na sustentabilidade das empresas, de Dal Marcondes.