No domingo, 3 de fevereiro, uma passeata realizada na Avenida Paulista, em São Paulo, reivindicava presença das doulas na sala de parto dos hospitais.
A manifestação aconteceu na tarde do domingo na Avenida Paulista e reuniu cerca de mil gestantes, mães e doulas que pediam a liberação das acompanhantes treinadas para oferecer às gestantes suporte físico e psicológico durante o parto nas maternidades, sem que elas ocupassem a única vaga de acompanhante que o hospital permite, vaga essa geralmente preenchida pelo pai da criança.
A mobilização foi motivada porque um grande hospital privada da capital paulista não permitiu que uma doula acompanhasse a parturiente na sala de parto.
Essa manifestação repercutiu nacionalmente e obrigou os hospitais a recuarem em parte nessa proibição. Agora, vários deles aceitam que uma pessoa esteja na sala de parto – se for a doula, o pai da criança não poderá assistir ao parto.
Mas, depois de SP, outras cidades também realizaram passeatas para que pai e doula estejam presentes na hora do nascimento de uma criança.
Essa mobilização e conseqüente discussão sobre o papel das doulas no pré-natal, no parto e no pós-parto mostra que pelo menos uma parcela da sociedade brasileira quer a mudança de paradigma no sistema de saúde, pelo menos no que tange à importância do parto humanizado e a responsabilidade do hospital em dar condições para isso. Nesse sentido, estamos diante de uma demanda cujo atendimento levará a uma real transformação na forma como as instituições privadas ou públicas tratam a saúde – aceitar a doula é também aceitar que quem dá à luz é a mulher; o hospital, os médicos, as enfermeiras estão lá para ajudar nessa tarefa.
A presença das doulas está, de certa forma, incentivando partos naturais e, consequentemente, colaborando para a diminuição do número de cesáreas, procedimento invasivo que pode apresentar riscos para a saúde da mãe e que, hoje, representa cerca de 90% dos partos brasileiros na rede privada. Na pública, as cesarianas atingem porcentagens bem menores – 37%.
Nos países desenvolvidos, a presença das doulas em partos hospitalares não só é permitida, como são incentivada. Nos Estados Unidos, por exemplo, as doulas já figuram no papel da assistência há mais de 30 anos e têm cerca de 10 mil registradas. A assistência delas às mães de primeira viagem vem sendo incentivada pelos órgãos públicos de saúde desde 2010, quando foi publicado o resultado de uma pesquisa feita por vários institutos de saúde entre 2008 e 2010. Esse estudo revelou o aumento das cesarianas no país para 32%, a maioria realizada em mães no primeiro parto. Sem auxílio das doulas, não souberam ter paciência e esperar a natureza realizar seu trabalho, aceitando a aplicação de drogas para aumentar as contrações que acabam por levar a uma cesariana.
A Europa é o continente com as menores taxas de cesarianas –menos de 30% no geral. Nos países nórdicos, as cesarianas são menos de 17% dos partos. Nessa parte do mundo, as doulas são aceitas e reconhecidas como importantes assistentes para um parto seguro e saudável.
No Brasil, o primeiro curso de formação de doulas surgiu em 2001e hoje elas são cerca de 4 mil entre doulas do setor privado, remuneradas pelo seu trabalho e voluntárias, mas sem a mesma aceitação das norte-americanas.
A questão sobre a permissão ou não das doulas é uma discussão de responsabilidade social dos hospitais, porque tem a ver com a preocupação com o bem-estar da mãe e do bebê, com os impactos que procedimentos invasivos sobre mãe e criança, bem como sobre impactos das cesarianas no meio ambiente.
Pesquisas realizadas na ultima década demonstraram que a presença das doulas durante o parto diminui o estresse para a mãe, e do bebê, faz com que o parto evolua com maior facilidade, rapidez e menos dor e complicações, reduzindo em até 20% as taxas de cesariana e em 30% nos nascimentos de bebê com baixa nota nos primeiros minutos de vida.
Existe uma história contada em muitos países a respeito de uma menina que viu o esforço de uma borboleta para sair do casulo. Assustada e penalizada com a força que a ínfima criatura fazia para se desvencilhar das fibras e casca do casulo, a menina arrebentou alguns pedaços e facilitou a saída da borboleta. Todavia, o resultado não foi o esperado: a borboleta não conseguiu voar e morreu em poucos segundos.
O que está fábula nos ensina? Que nascer é algo “normal”, não precisa ser medicado, a não ser em casos muito especiais. Por que , então, torná-lo tão tecnológico? Voltar à simplicidade do parto normal pode representar um passo importante no retorno à noção de que saúde não é negócio.
Os hospitais privados brasileiros estão adotando várias práticas de sustentabilidade, como mostrou matéria publicada no jornal Valor do último dia 5 de fevereiro. Quarenta entre os maiores hospitais privados do país – entre eles Sírio Libanês, Santa Catarina, Albert Einstein e o Instituto de Traumatologia (RJ) estão integradas a uma rede internacional de hospitais saudáveis ou sustentáveis, que vem sendo construída aos poucos.
Trata-se da Global Green and Healthy Hospital, que reúne mais de três mil hospitais em 50 países. Para fazer parte dela, o hospital precisa cumprir pelo menos dois de dez objetivos estabelecidos numa Agenda Global Para Hospitais Verdes E Saudáveis. São eles:
Priorizar a saúde ambiental; Substituir substâncias químicas perigosas por alternativas mais seguras; Reduzir, Tratar e dispor adequadamente os resíduos sólidos produzidos pela instituição; Economizar energia e substituir por fontes limpas e renováveis; Reduzir o consumo de água; Desenvolver alternativas de transporte para os funcionários e os pacientes; Comprar e servir alimentos saudáveis, produzidos sustentavelmente; Gerenciar com seguranças os remédios e produtos utilizados; Utilizar e apoiar a construção sustentável de edifícios hospitalares e de equipamentos; Adotar critérios de compras sustentáveis.
O Brasil já tem um caso exemplar listado na rede: o da compostagem de resíduos orgânicos do Hospital Sírio Libanês, para diminuir (e até zerar) o envio de resíduos orgânicos (principalmente restos de alimentos, crus e cozidos) para os aterros sanitários. Foi estabelecida uma parceria com a empresa Nova Reciclagem que diariamente retira os resíduos do hospital e os leva ao seu centro de compostagem orgânica.
O setor dos hospitais é mais um que internacionalmente vem se engajando num movimento para mudar processos e serviços no sentido da sustentabilidade. Trata-se de um setor que cresce mesmo na crise e que, no Brasil, movimenta 337 bilhões de reais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e sete mil hospitais públicos e privados, segundo o Ministério da Saúde. No mundo, em 2007, os gastos com saúde totalizaram 5,3 trilhões de dólares, ou 639 dólares por habitante do planeta. Nos EUA, o setor de saúde é o maior consumidor de substâncias carcinogênicas.
A mudança a que essas instituições vêm buscando demonstra o aprofundamento da consciência a respeito da responsabilidade social e da sustentabilidade na gestão hospitalar e da saúde em geral. Esse fato é muito relevante e precisa ser valorizado. O objetivo expresso desse movimento, tanto nacional quanto internacional, é “Rumo a uma assistência médica regenerativa”.
O que isso significa?
Que os hospitais reconhecem que não podem curar doenças das pessoas se o planeta está doente. Por isso, essas instituições precisam estar na vanguarda e um movimento global pela saúde ambiental. Isso quer dizer que os líderes do setor de saúde estão expandindo o juramento hipocrático de “não causar dano” para além da relação paciente-médico e incorporando também a saúde ambiental.
Não é exagero afirmar que as ações adotadas por empresas que tem a função de cuidar da saúde das pessoas geram impactos na vida e na morte dos funcionários, dos pacientes e dos demais públicos de interesse dessas instituições, inclusive o meio ambiente.
Por isso, reconhecer e valorizar a assistência das doulas e permitir sua presença na sala de parto também representa uma medida de sustentabilidade.
Mais do que a saúde ambiental, não será mais sustentável buscar a mudança de paradigmas do tratamento dado aos pacientes nos hospitais? Retornar a um conhecimento tradicional e que ainda prevalece nos países de cultura mais antiga, como Índia e China, de que remédios, médicos e ciência são auxiliares da cura. O trabalho maior é feito pelo próprio corpo do paciente?
Parece que a sociedade pensa assim. E, aqui no Brasil, corrobora esse pensamento a recente movimentação de mulheres e homens em favor da permissão para as doulas acompanharem o parto nos hospitais.
Humanização do que já é humano.