Análise e resultados da COP27: a participação do Instituto Ethos e perspectivas para o novo ciclo de governo
Contexto
A expectativa para as negociações em Sharm el-Shaikh começaram junto com o ano de 2022. Após a COP26 em Glasgow ter endereçado pontos fundamentais para o fechamento do livro de Regras do Acordo de Paris, incluindo novas regulamentações sobre o Artigo 6, mecanismos financeiros e mercados de carbono, dando início ao processo de transparência e reportabilidade dos non-party stakeholders no Balanço Global (ou Global Stocktake) e pressionado as Partes para a manutenção do 1,5ºC – com NDCs progressivamente mais ambiciosas, pressionado para redução de 45% do volume de emissões de GEE até 2030 e incentivado a redução gradual (phase down) do consumo de combustíveis fósseis – as discussões sobre quais seriam as principais temática para Sharm el-Sheikh passaram a ser pautadas. Ainda em Glasgow a expressiva participação de movimentos sociais, populações indígenas e sociedade civil nas negociações em 2021, chamou a atenção e evidenciou a aproximação entre a agenda social e ambiental.
Ao longo do ano, os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) apresentaram rápida acentuação na curva do impacto da mudança do clima. A avaliação de cenários de aumento de temperatura evidenciaram o aumento de escala, frequência e intensidade de eventos climáticos extremos e seu potencial devastador para as diferentes regiões do mundo. Confirmando as previsões científicas, o ano de 2022 foi marcado por eventos climáticos extremos, como as inundações no Paquistão, queimadas nos Estados Unidos, Europa e Brasil, ondas de calor em regiões temperadas e recordes de aumento de temperatura nos pólos. Além disto, dados da Oxfam em “Confronting Carbon Inequality”¹ os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por 52% das emissões de GEE, enquanto os 50% mais pobres apenas por 7%. Esta análise se mostra mais crítica quando compara emissões continentais, quando em nenhuma das quatro faixas de renda analisadas se vê contribuição significativa do continente africano. Em termos proporcionais, a África é o continente que menos contribui para a mudança do clima através de emissões de GEE e ao mesmo tempo a que mais sofre com eventos climáticos extremos. Portanto, a relação entre eventos climáticos extremos e vulnerabilidades socioeconômicas não pôde mais ser ignorada.
A associação da agenda de mudança do clima, com direitos humanos e combate às desigualdades passou a configurar tema central na agenda de clima nacional e internacional, fortalecida pela realização da COP 27 em solo africano, no Egito, a urgência de se endereçar a ágil implementação dos planos de ação climáticos e, em especial, a reparação histórica entre países desenvolvidos e em desenvolvimento foram pautadas pela discussão sobre financiamento para Perdas e Danos. Assim desenha-se o cenário internacional que antecedeu as negociações para a COP 27.
A COP 27
Como era de se esperar as negociações da COP 27, ocorrida entre os dias 06 e 18 de novembro de 2022, se debruçaram sobre a problemática de Perdas e Danos, sendo este um dos principais resultados apresentados na Cover Decision (CMA.4) no intitulado, Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh. As partes reconhecem, portanto, que “os eventos climáticos extremos demonstram perdas econômicas e não-econômicas implicando na importância de uma resposta adequada e efetiva para a questão de perdas e danos”². Além disso, expressa preocupação quanto aos custos para financiamento de perdas e danos em países em desenvolvimento devido ao crescente endividamento, dificultando a concretização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Cria-se então, durante a COP27, o Fundo para Perdas e Danos e com isso, um grupo de trabalho, que deverá apresentar para 2023 as regras de funcionamento do Fundo e para 2024 estudos quanto à sua capacidade de implementação. Não se sabe ainda quem serão os doadores e os recebedores e muita atenção é desprendida na escolha vocabular: receberão o recurso países “mais vulneráveis” ou “vulneráveis”? Por pressão dos países em desenvolvimento o texto final apresenta “vulneráveis” indicando um escopo mais abrangente de países que possam vir a ser contemplados por tal recurso.
Ponto de destaque da Conferência das Partes foi o discurso da primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, que endereçou o exato mesmo problema. Ao solicitar acesso à crédito para financiar a reestruturação resultante de eventos climáticos extremos, o sul global se depara com juros próximos a 14% enquanto países desenvolvidos o encontram por menos de 4%. Com isso, pediu a revisão do Acordo de Bretton Woods que fundou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, o FMI, devido ao fato que o contexto político e social mundial está diferente do que estivera no momento de sua fundação e muitos países, como Barbados por exemplo, nem sequer existiam.
As duas outras temáticas de relevância tratadas na Cover Decision giraram em torno da ciência e urgência (science and urgency), adaptação e mitigação. Apesar da menção ao 1,5ºC, do pedido de ressubmissão de NDCs para 2023, da indicação da necessidade de redução de 43% das emissões mundiais de GEE até 2030 o Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh ofereceu poucas indicações de caminhos claros e factíveis para se endereçar a mudança climática, seja pelas Partes ou pelos diversos setores da economia. Outro ponto de pressão, que acabou por ser flexibilizado, foi a mudança no vocabulário sobre o consumo de combustíveis fósseis: de “redução gradual” em Glasgow para “priorização de modais menos emissores”, atribui-se esta mudança de tom à crise elétrica vivida na europa após o corte no fornecimento de gás natural pela Rússia.
Assim, pode-se se dizer que apesar de mencionados os principais temas, pouco foi feito na direção de torná-los factíveis, mesmo no assunto de maior debate: a criação do Fundo para Perdas e Danos. Apesar do endereçamento ser algo inédito, discutido desde a Eco-92 a urgência climática e o passar do tempo acabam sendo pontos de maior pressão da sociedade, de países vulneráveis, de movimentos sociais e de populações tradicionais.
Brasil e a agenda de clima
Com uma realidade próxima do que postulam as discussões internacionais, o Brasil observou em 2022 o aumento de frequência a intensidade de eventos climáticos extremos, como vimos nas inundações no sul da Bahia e Petrópolis. Fora isto, de 2018 a 2022 o acúmulo de desmatamento no Brasil atingiu 45.586km2³. Ainda em 2022, o Sistema de Estimativa de Emissões de GEE (SEEG)⁴ demonstrou que as emissões do período (agosto de 2021 a julho de 2022) o setor de Mudança do Uso do Solo no Brasil representou 49% das emissões totais de GEE, um aumento de 3% em relação a avaliação de 2021 (uma contribuição de 46% no volume total de emissões brasileiras) e de 190 milhões de tCO2e, aproximadamente a soma do total de emissões de Processos Industriais e Resíduos do mesmo período.
Pautada ao longo do processo eleitoral, a crise climática foi utilizada como ponto de debate entre as candidaturas, seja pela sua negação, pelo entendimento que a necessidade de adaptação climática possa virar uma oportunidade de mercado ou pela defesa dos povos que resistem a flexibilização de políticas públicas e desestruturação dos órgãos de comando e controle ambiental, o assunto se popularizou. O candidato eleito Lula, acenou em seu discurso de vitória retomada dos planos de ação climáticos a nível federal, comprometimento com o desmatamento ilegal zero. A convite do presidente egípcio Abdul al-Sisi, o presidente eleito pôde discursar na COP27 trazendo a nova estrutura do Estado brasileiro comprometida com o Acordo de Paris, com a redução de emissões de GEE e com a manutenção do limite de temperatura em 1,5ºC. Em seu discurso, Lula ainda indicou o restabelecimento de salvaguardas aos direitos dos povos e comunidades na linha de frente do combate à mudança do clima, acenou, também, ao setor privado, indicando que crescimento econômico e preservação podem caminhar juntos, uma vez alinhados com mecanismos financeiros de incentivo à boas práticas e regulação climática, como é o caso da regularização fundiária, o licenciamento ambiental, mercados de carbono e pagamentos por serviços ambientais. Em seu discurso aproveitou, também, para endereçar a necessidade urgente de financiamento para Perdas e Danos como uma forma de reparação pelos custos da industrialização e cobrou celeridade no repasse de recursos prometidos – 100 bilhões de dólares anuais a partir de 2020.
Para o Brasil, as COPs alcançaram outro patamar de discussão, com a desestruturação das políticas públicas a nível federal. Com o objetivo de garantir a execução dos planos de ação climática regionais e fazer frente a mudança do clima, a participação de Estados e Municípios escalou rapidamente nos últimos anos. Em Sharm el-Sheikh o protagonismo subnacional se fez presente em diversos âmbitos e se materializou no pavilhão do Consórcio dos Estados da Amazônia Legal demonstrando engajamento regional e transversalidade da agenda de clima para as demais áreas da administração pública, como produção e indústria, relações internacionais, energia e resíduos.
O Instituto Ethos
Permeando as diversas discussões sobre regulação e ação climática, o Instituto Ethos buscou ao longo de 2022 pautar junto às empresas associadas e dentro das diferentes ações coletivas o comprometimento com a agenda de clima e meio ambiente através da realização de inventários de emissões e pegadas ecológicas, estimulando práticas de adaptação e mitigação e acompanhando os compromissos e divulgações ESG. Somados a isso, o Grupo de Trabalho de Meio Ambiente pautou caminhos para a implementação nos principais pontos da ação climática colocados no Acordo de Paris, como o contínuo aumento da ambição climática, alinhamento com a NDC brasileira, acompanhamento da regulação climática e ambiental e o que isto significa para as empresas. No aprimoramento de boas práticas o GT trabalho colaborativamente com as áreas de Direitos Humanos e Integridade para a construção do Guia de Responsabilidade Social Empresarial nas Eleições de 2022 e no Protocolo da Ação Empresarial em Extremos Climáticos e Justiça Socioambiental (em parceria com a Climatempo), explorando o relacionamento entre estes diferentes campos do conhecimento e estreitando suas sinergias.
O Fórum Amazônia Sustentável e a IV Conferência Brasileira de Mudança do Clima se destacam como ações coletivas que endereçaram interesses plurais buscando convergências de diferentes atores da sociedade para comunicar prioridades para os candidatos. Sobre o Fórum, a Carta de Alter trouxe catorze pontos pela Amazônia viva, atrelando desenvolvimento sustentável, social e local com distribuição de renda e a floresta em pé. Trouxe pontos urgentes como desmatamento legal e ilegal zero e a proteção dos povos e comunidades amazônidas. Já as Diretrizes para Ação e Ambição Climática, resultado do grupo de correalizadores da IV CBMC trouxe quinze pontos principais para a manutenção e perenidade dos planos de ação climáticas estaduais e municipais, porém com foco nos Estados devido ao ano eleitoral. Com isso, trouxe em sua centralidade a ação coordenada entre as diferentes secretarias do governo, retomada dos planos de ação climática, combate às desigualdades, justiça climática e reparação por perdas e danos em extremos climáticos.
O Protocolo, as Diretrizes e a Carta de Alter foram levadas à COP27 e apresentadas durante o painel “Novo Governo: Brasil de volta ao jogo climático” para representantes do governo de transição no Brazil Climate Action Hub. Foi pautado durante a atividade o otimismo em podermos construir novamente a política pública ambiental a nível federal e que estes anos de resistência nos ensinou sobre trabalho coletivo e priorização. A escolha por apresentar os três documentos teve o objetivo de demonstrar a articulação multissetorial em torno de temáticas complementares à mudança do clima. Seja o papel do setor privado, de governos subnacionais e de movimentos sociais em torno de objetivos comuns, explorando sua transversalidade e pluralidade de vozes e visões que comportam a temática.
Conclusão
Apesar dos resultados pouco expressivos das negociações formais, a tendência observada já há alguns anos se manteve: a participação da sociedade é de novo ponto forte da Conferência das Partes. A urgência da agenda climática passa a permear de maneira mais ativa discussões sociais e empresariais. O compromisso com a responsabilidade socioambiental cresce progressivamente tanto entre tomadores de decisões formais quanto nos diferentes grupos sociais e esta movimentação passa a ser refletida na participação de diversos atores nas COPs. As decisões climáticas internacionais e seu cascateamento a outros níveis da tomada de decisão ganham espaço nos diferentes âmbitos da sociedade, por alguns compreendido como uma oportunidade de adaptação e inovação de negócios, por outros, uma questão de sobrevivência dos costumes e modo de vida. Seja por qualquer um destes motivos, a questão climática passa a permear o dia-a-dia da população mundial e se configura com um problema de complexa solução que precisará adotar um caráter transversal se quisermos manejá-la da maneira adequada.
Por isso, saímos desta COP com a sensação de um copo simultaneamente meio cheio e meio vazio, com avanços históricos e pontos de flexibilização, com discussões inéditas e com pouca firmeza de endereçamento. Sabemos que ainda há um longo caminho a se percorrer para evitar alcançar pontos de não-retorno e mitigar os efeitos catastróficos do desequilíbrio climático. A apropriação da agenda de clima pelos diversos atores é parte fundamental para sua solução, que não mais pode apostar todas suas fichas em apenas uma forma de atuação. Aprendemos a ser resilientes em um país negacionista, aprendemos com a pandemia que podemos nos adaptar a outras formas de viver e estamos aprendendo com a mudança do clima que será preciso maior comprometimento, maior esforço e maior ambição para solucionar este enorme desafio – quiçá o principal – que humanidade terá que fazer face durante o século XXI.
Referências
1 OXFAM MEDIA BRIEFING. Confronting Carbon Inequality, 2021. Disponível em: <https://oxfamilibrary.openrepository.com/bitstream/handle/10546/621052/mb-confronting-carbon-inequality-210920-en.pdf.> Acesso em: 19/12/2022.
² Conference of the Parties (COP27). “Cover Decision – Sharm el-Sheikh implementation plan”, Sharm el-Shaikh, Egypt. UNFCCC. Nov 2022.
³ Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE). Observação da Terra, 2022. Disponível em: <http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/prodes>. Acesso em: 20/12/2022.
⁴ Sistema de Estimativa de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Disponível em: <https://seeg.eco.br>. Acesso em: 20/12/2022.
Por: Marina Esteves, coordenadora de Projetos de Meio Ambiente do Instituto Ethos
Foto: Pexels