“O poder propriamente entendido não é mais que a capacidade de atingir um objetivo. É a força necessária para provocar mudança social, política, econômica (…) E um dos grandes problemas da história é que os conceitos de amor e poder são normalmente contrastados como opostos – polos opostos -, de modo que o amor é identificado como resignação de poder, e o poder, como negação do amor. Agora temos que consertar isso. O que precisamos perceber é que o poder sem o amor é imprudente e abusivo, e o amor sem o poder é sentimental e anêmico. (…) É exatamente esse conflito entre o poder imoral e a moralidade sem poder que constitui a maior crise do nosso tempo.” Martin Luther King Jr. – Para onde vamos daqui?
Por que alguns grupos de pessoas conseguem resolver problemas complexos enquanto outros falham?
Para responder esta questão inquietante, utilizei como base a experiência do autor canadense Adam Kahane, em seu livro Poder e Amor: teoria e prática da mudança social, em que ele destaca que quando estamos diante de um desafio social complexo, frequentemente o resolvemos de duas maneiras:
Ou tentando forçar nossa vontade usando armas, dinheiro ou votos, ignorando a vontade das pessoas envolvidas (guerra agressiva) ou deixando quieto e não discutindo (paz submissa). São formas extremas, geralmente fadadas ao fracasso. O autor acredita que o oposto de guerra agressiva não é a paz submissa e sim a criação coletiva (cocriar).
Na mesma linha deste raciocínio, Kahane sugere que para resolver problemas complexos, é preciso cocriar novas realidades sociais, aceitando o pressuposto que é inerente a todo ser humano, dois impulsos fundamentais que se atritam: um que lida com interesses e diferenças (poder) e outro que lida com conexões e comunidades (amor).
Kahane, acredita que a melhor definição de poder e amor para enfrentarmos os desafios complexos são as utilizadas pelo teólogo e filósofo Paul Tillich, em que o poder é o impulso de tudo que vive para realizar a si mesmo, para cada um alcançar o seu propósito: seria a autorrealização; enquanto o amor é o impulso para a união do que está separado, ou seja, é a força que reconecta e integra o que se tornou fragmentado.
Nesta perspectiva, seguindo os preceitos de Tillich, desenvolve definições diferentes das que usualmente conhecemos, para os termos poder e amor. Nessa direção, partindo da premissa de Martin Luther King Jr. – um dos maiores agentes de mudança social não violenta que afirma que poder sem amor é imprudente e abusivo e amor sem poder é sentimental e anêmico, a proposta destina-se a encontrar diferentes maneiras de enfrentar desafios sociais complexos, conciliando, na prática, poder e amor, a fim de criar novas realidades sociais. Enfatizar a complementaridade entre poder e amor, não fazer escolhas e conciliá-los sem negar a existência de atrito entre esses dois impulsos é o grande desafio trazido pelo Kahane no seu livro.
Não se pode prescindir de nenhum desses impulsos porque o mundo em que vivemos não é um mundo vazio, muito pelo contrário, é cada vez mais cheio de pessoas, de culturas diversas e de ideias fortes e antagônicas, isto é, um mundo lotado. E é exatamente essa lotação, no mundo real, de vozes diferentes e de grande diversidade, que gera a complexidade e é a principal razão para não fazermos escolha entre o poder e o amor, e sim nos valermos dos dois.
Entretanto, cada um desses impulsos vitais tem dois lados: o generativo e o degenerativo e esta abordagem será tratada no próximo artigo.
Por: Fábio Risério, sócio diretor da Além das Palavras, consultoria que atua no engajamento estratégico dos temas de Integridade e Sustentabilidade nos negócios e professor das disciplinas de Ética Empresarial e Negócios e Organizações Sustentáveis na FDC, FIA e PUC-Campinas.
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