É o que demonstra um estudo lançado pela OIT. Mas ainda há muito por fazer. Empresas são decisivas para a consolidação dessa agenda. 

Por Sérgio Mindlin*

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou, no início da semana passada, o estudo Perfil do Trabalho Decente no Brasil, que abrangeu todos os Estados brasileiros e levantou dados sobre trabalho infantil, equidade de gênero, emprego formal e redução geral das desigualdades entre os anos de 2004 e 2009. 

O relatório aponta progressos encorajadores nas mais diversas áreas, como declínio do trabalho infantil, aumento do número de trabalhadores com contrato formal de trabalho e ampliação da proporção de idosos que recebem aposentadoria ou pensão. Por outro lado, evidencia a permanência de muitos desafios, como a discrepância salarial entre homens e mulheres e entre trabalhadores brancos e negros, o elevado número de adolescentes e jovens que não trabalham nem estudam e a permanência de trabalho forçado. 

Esses dados mostram que, embora o país tenha evoluído em muitos setores, há ainda um longo percurso até se transformar numa sociedade mais justa. 

Algumas conclusões do relatório 

Para chegar às conclusões que trouxe a público, o relatório da OIT analisou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), entre 1992 e 2007, sobre todos os Estados brasileiros. A OIT também fez uso da Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). 

A pesquisa mostra que, do universo de 23 milhões de mulheres consideradas inativas, 21 milhões realizavam afazeres domésticos, despendendo 33 horas semanais com essas tarefas. Já entre os homens inativos, a proporção era de 49%. 

No mercado de trabalho, 64% das pessoas economicamente ativas estão empregadas, contra 56% em 1992. A participação masculina recuou de 89% para 86%. Em relação à população economicamente ativa (PEA), as mulheres representam hoje 44%. 

A taxa de desemprego, que era de 6% em 1995 e chegou a 9,9% em 2003, baixou para 8,3% em 2007. Entre os jovens, todavia, a taxa de desemprego chegou a 17%, provando que um dos problemas estruturais do mercado de trabalho brasileiro – o primeiro emprego – continua a ser um desafio. Outro dado que reflete o problema é o contingente de jovens entre 16 e 24 anos de idade que não estudam nem trabalham. Eles totalizam, de acordo com a OIT, 6,4 milhões, ou 18,8% dessa faixa etária. Isso quer dizer que um em cada cinco jovens brasileiros não estuda nem trabalha. 

Quanto ao emprego formal, a taxa de empregados com carteira assinada, depois de recuar a 43,9% até 1999, voltou a crescer. Em 2006, a taxa de formalidade passou pela primeira vez da metade, chegando a 50,6%. Em 2009, esse indicador estava em 54,6%. 

As regiões mais pobres e com mercado de trabalho menos estruturado foram as que apresentaram maior alta. Entre 1999 e 2009, a Região Norte aumentou em 85,7% o número de vínculos empregatícios, enquanto o Nordeste teve alta de 64,9%. O resultado é inédito na história do país. 

A crise financeira mundial não abalou a criação de postos de trabalho com carteira assinada no país. Entre 2003 e 2010, a taxa de formalização teve alta de 53,6%. O Brasil encerrou 2010 com 44,07 milhões de pessoas em trabalho formal. 

Equidade de gênero: ainda um desafio 

O crescimento da participação das mulheres no mercado laboral não tem sido acompanhado de uma redefinição das relações de gênero no âmbito das responsabilidades domésticas, o que vem submetendo as trabalhadoras a uma dupla jornada de trabalho. Os dados mostram que, no total, os homens têm jornada de 52,9 horas semanais. As mulheres, de 58 horas, 5,1 horas a mais do que o sexo oposto, o que equivale a 20 horas adicionais por mês, ou cerca de dez dias a mais por ano, considerando o tempo trabalhado fora e dentro de casa. 

O relatório da OIT apontou também que 90,7% das mulheres que estão no mercado de trabalho realizam atividades domésticas – percentual que cai para 49,7% entre os homens. No trabalho, elas gastam, em média, 36 horas por semana; eles, 43,4 horas. Em casa, por outro lado, elas gastam 22 horas semanais (aquelas que não trabalham fora gastam 33 horas semanais). Os homens, 9,5 horas. 

Foi avaliada também a diferença salarial entre os sexos. Em 2009, os salários recebidos pelas trabalhadoras eram 17,3% menores do que as remunerações dos homens, quando consideradas as horas trabalhadas. Sem considerar as horas trabalhadas, a diferença de remuneração entre homens e mulheres foi ainda maior, atingindo 29,3%. 

Trabalho infantil 

A boa notícia em relação ao trabalho infantil é a queda no número de crianças trabalhando: de 5,3 milhões para 4,2 milhões. A má notícia é que ainda existem crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos de idade trabalhando, a maioria delas no Nordeste. No entanto, a região lidera as ações para retirar menores do trabalho ilegal. 

Salário Mínimo 

O salário mínimo passou de R$ 277,00, em 1992, para R$ 404,00, em 2007. Um aumento de mais de 40%. Cerca de 27 milhões de pessoas saíram da situação de pobreza no Brasil entre 2003 e 2009, o que significa uma redução de 36,5% no total de pessoas vivendo em famílias com renda inferior a meio salário mínimo. 

Trabalho forçado 

No total, segundo a OIT, 41.608 pessoas foram libertadas, entre 1995 e 2011, de situações de trabalho análogo ao escravo. Somente entre 2008 e 2011, 13.841 trabalhadores foram resgatados dessa condição pelo Grupo Especial Móvel de Fiscalização (GEMF), formado por auditores fiscais do trabalho, com apoio do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. 

O relatório ressaltou a decisiva atuação brasileira para pôr fim a essa prática, enaltecendo a iniciativa das empresas no combate ao trabalho análogo à escravidão, classificando-a como “contundente” e exemplo para o mundo. 

É preciso reforçar que as empresas têm um papel fundamental na consolidação de todos os critérios que configuram o trabalho decente, como, entre outros, seguridade, equidade de gênero e raça, liberdade de participação sindical e salário e jornada de trabalho decentes em todos os Estados brasileiros. A Plataforma por uma uma Economia Inclusiva, Verde e Responsável tem como uma de suas estratégias a promoção do trabalho decente, que chama a atenção para o papel imprescindível das empresas na realização dessa meta.

 * Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos

 23/7/2012