Palestra do economista e banqueiro Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz, inaugura centro de negócios sociais na ESPM, pioneiro na América Latina.

Durante a palestra do lançamento do Yunus ESPM Social Business Centre, primeiro centro de negócios sociais da América Latina, o economista e Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, baseou seu discurso em três eixos: superação, crítica e esperança.

Enquanto as pessoas ocupavam os assentos do Auditório Philip Kotler, da ESPM-SP, na fria manhã de 27 de maio de 2013, um som familiar, porém exótico, as recepcionava, numa confluência inusitada de músicas do cancioneiro popular brasileiro com melodias típicas da Ásia Meridional, tocadas pelo músico Marcos Santuris em seu sitar.

Duas canções marcaram a introdução do evento: Asa Branca, de Luiz Gonzaga, e Romaria, de Renato Teixeira. Justamente por falaram de superação, elas serviram de preâmbulo para a fala de Yunus, que, brincalhão, iniciou-a abordando uma das maiores marcas brasileiras no exterior, o futebol: “Todo mundo conhece a bandeira brasileira por causa do futebol”.

O motivo de sua visita ao país foi o lançamento, em São Paulo, do Yunus ESPM Social Business Centre, que irá promover negócios sociais a partir do ensino e aprendizagem, com cursos de capacitação, de pesquisas e da incubação de empresas com esse viés. “Estive algumas vezes no Brasil, mas há uma razão especial desta vez. É uma honra muito grande ser nomeado neste centro”, disse, considerando que a iniciativa será uma referência para a região.

Em sua trajetória, o convidado esteve diversas vezes diante de desafios que precisou superar. Professor de economia em Bangladesh, a situação de miséria que encontrou em seu país foi o que o motivou a emprestar dinheiro às pessoas pobres, fato que ele, modestamente, colocou da seguinte maneira: “Não fui eu quem planejou. Fui forçado a entrar nessa situação”.

Uma de suas superações foi rever sua vida acadêmica. “O que eu ensinava era algo sem significado e não contribuía para a solução do problema das pessoas”, confessou. E foi convivendo com as pessoas que Yunus percebeu que elas não tinham como conseguir empréstimos que pudessem viabilizar as atividades econômicas de subsistência que mantinham, como o artesanato. “Comecei a perceber que o acesso a empréstimos não era uma questão apenas da vila onde eu estava, mas do país e do mundo”, disse, afirmando que, a partir do momento em que passou a emprestar dinheiro para as pessoas, transformou aquele contexto.

No início, foram 27 dólares para 42 mulheres (em média 65 centavos para cada uma). Hoje, o Grameen Bank, que Yunus criou em 1976 e do qual se afastou em 2011, possui 8 milhões de clientes investidores, a partir do microcrédito. “Se você colocar um indivíduo ao lado de outro e de outro, consegue juntar um grupo”, disse.

Yunus vê a criação do conceito de microcrédito por uma ótica específica: “Naquele momento, todo o país mudou e você passou a entrar em cada família. É uma ideia pequena, que vem do simples pensamento: ‘Eu posso fazer’”.

Em outro momento, um discurso crítico emergiu das palavras do convidado. Os focos eram o sistema econômico e os bancos. “Os sistemas bancários não chegam ao nível das pessoas. Um terço da população do mundo não tem acesso a eles”, criticou Yunus, que enxerga a pobreza como uma triste consequência do sistema. “A pobreza não é criada por pessoas pobres em si, mas pelo sistema que criamos. Pessoas pobres não são a causa, mas as vítimas da pobreza”, considerou. Sua crítica aos bancos foi essencialmente à forma como colocam dinheiro em circulação na economia: “Os bancos emprestam dinheiro para pessoas que não precisam dele”.

Ele também não poupou o egoísmo das pessoas que desejam recolher todo o lucro proveniente de uma atividade econômica. “Temos de ser altruístas também, ou seja, gente que vai fazer o bem aos outros. Minha instrução é não ser egoísta”, externou e criticou: “O dinheiro se torna o mestre de nossas vidas, quando deveria ser o meio. O sistema nos converteu em robôs e as pessoas se comportam como tais”.

Sua capacidade inventiva foi o que deu o tom de esperança à sua fala na ESPM-SP. “Todas as vezes que tenho de resolver o problema das pessoas, eu crio um negócio”, revelou o economista, mencionando que já criou mais de 60 empresas em Bangladesh, cada uma relacionada a um problema da sociedade.

Em sua definição, negócio social é uma empresa que não recolhe os dividendos (lucros) e serve para resolver problemas humanos. “Ele se expande sem dinheiro externo”, esclareceu. Para os que ainda se confundem, Yunus explicou a diferença entre caridade e negócio social: “Na caridade, o dinheiro sai e não volta. No ano seguinte, você precisa esforçar-se para tê-lo novamente. No negócio social, o dinheiro vai, faz o trabalho e volta”.

Segundo Yunus, não há segredo para se criar um negócio social. Basta unir as pessoas ao trabalho disponível e necessário para elas realizarem. “As pessoas estão ali, o trabalho está ali. É só unir um ao outro”, raciocinou. Sua esperança é reproduzir esse modelo cada vez mais: “Estamos chegando a outros países e levando os jovens a estudar. Cada indivíduo pode fazer um negócio social”.

Yunus finalizou sua palestra cheio de esperança: “Acredito que este centro que estamos criando poderá ajudar as pessoas a ter a ideia. Só precisamos de um fundo inicial e espero, muito feliz, que isso possa acontecer no Brasil. Nesse processo, podemos criar um mundo diferente, no qual não teremos problemas, mas soluções”.

Honra do mérito

Antes de iniciar sua palestra, Yunus recebeu a Medalha do Mérito Rodolfo Lima Martensen, das mãos de Armando Ferrentini, presidente do Conselho Deliberativo da ESPM. Trata-se da condecoração máxima concedida pela ESPM, que já laureou nomes ilustres, como o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

No período da tarde, Yunus ministrou uma aula aberta ao público do curso de Certificação Internacional em Negócios Sociais, que será oferecido pelo Yunus ESPM Social Business Centre.

Crédito da foto: João Lebrão