A partir de 1º de janeiro, a gasolina comum comercializada em todos os postos brasileiros terá o teor de enxofre reduzido de 800 para 50 mg/kg.
Por Sérgio Mindlin*
Ontem (7/11) a cidade de São Paulo teve mais um dia de sua terrível rotina, com chuva e congestionamentos. Será que quem ficou horas no trânsito, respirando o ar poluído pelos escapamentos dos veículos chegou a pensar que, a partir de 1º. de janeiro de 2014, a gasolina comum comercializada em todos os postos brasileiros terá o teor de enxofre reduzido de 800 mg/kg para 50 mg/kg?
Depois do diesel, que desde o ano passado está sendo comercializado com enxofre a 50 ppm (a Petrobras também tem o diesel a 10 ppm), agora é a gasolina que vai acompanhar essa medida, segundo anunciou, no final de outubro, a Agência de Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Essa alteração vai ajudar a reduzir em 94% a emissão de enxofre na atmosfera, contribuindo para a melhoria do ar e a diminuição de doenças respiratórias.
Aliás, a gasolina de melhor qualidade também melhora o desempenho dos motores automotivos, reduzindo os custos de manutenção e aumentando a durabilidade.
A resolução vale para todo o território nacional e já não era sem tempo.
A gasolina brasileira produz 800 partes por milhão (ppm) de enxofre e é uma das mais poluídas do mundo. Como comparação, a gasolina norte-americana produz 200 ppm de enxofre e a europeia, 30 ppm.
Quando liberado na atmosfera, o enxofre se junta ao oxigênio e forma o dióxido de enxofre (SO2) que pode levar à formação da chuva ácida. Reagindo a outras substâncias que estão em suspensão no ar, forma os sulfatos, componentes do material particulado poluente que inalamos. Os sulfatos reduzem a visibilidade na atmosfera e corroem edificações, monumentos e estruturas metálicas. Mas, principalmente, causam ou agravam doenças cardiorrespiratórias.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aceitáveis 10 microgramas por m3 de particulado no ar. As médias coletadas todos os anos pelas estações da Cetesb têm sido de 20 a 25 mg/m3, o dobro do nível apontado pela OMS.
Sabe qual é o impacto disso para a sua saúde e para a saúde pública?
Poluição e saúde
Em setembro deste ano, durante o seminário “Mobilidade Urbana e Poluição do Ar: a Visão da Saúde”, foi apresentado o resultado da pesquisa. Avaliação do Impacto da Poluição Atmosférica sob a Visão da Saúde no Estado de São Paulo, sobre a relação entre mortes, adoecimento e poluição no Estado de São Paulo. A pesquisa foi feita pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade e foi a primeira vez que se divulgou uma avaliação do impacto da poluição atmosférica em relação à saúde no Estado.
O estudo revelou que morrem anualmente 15 mil pessoas no Estado em decorrência da poluição, número que supera o de mortes por acidentes, que é de cerca de 7.800 por ano. O número ainda é subestimado, considerando apenas as mortes de regiões onde há estações de medição de poluentes.
Há mais dados impressionantes nessa pesquisa: entre 2006 e 2011, o Estado de São Paulo registrou 99.084 mortes relacionadas com a poluição, seis vezes e meia a mais que as mortes causadas por aids.
Somente em 2011, o setor público de saúde investiu R$ 76 milhões (US$ 35,5 milhões) para o tratamento de doenças provocadas pela poluição, um número 13 vezes maior do que os recursos destinados para a produção de vacinas. Durante o mesmo período, a rede privada de saúde destinou R$ 170 milhões (US$ 77,2 milhões).
O tráfego e a poluição, segundo essa pesquisa, explicam 15% dos casos de enfarte na cidade de São Paulo. A má qualidade do ar diminui a expectativa de vida em um ano e meio.
Como se vê, a poluição mata mais do que “atropelamento de automóver”, como dizia o saudoso Adoniran Barbosa, no samba Tiro ao Álvaro.
A sociedade precisa se mobilizar para cobrar rapidez nas soluções de transporte coletivo e nas discussões e iniciativas que promovam novas formas de mobilidade urbana. Seria uma boa ideia cobrar dos vereadores como anda a questão de usar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico-Combustíveis (Cide-Combustíveis) para financiar um transporte público de melhor qualidade.
As montadoras, por exemplo, podem adotar nos veículos brasileiros as mesmas tecnologias que já instalaram nos seus modelos lá fora, onde a legislação é mais rígida e a pressão da sociedade também.
As empresas de petróleo e gás podem fabricar um combustível mais limpo com urgência.
Os governos podem apressar soluções de ciclovias, mas também, em conjunto com a sociedade, avançar em soluções que repensem a maneira de ocupar o espaço urbano, o que inclui o jeito de morar, comprar, ir à escola, ao cinema. Afinal, discutir a maneira como vamos nos mexer na cidade é também discutir o tipo de cidade que queremos.
* Sérgio Mindlin é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos.