Vany Laubé e Diogo Cosentino
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O reconhecimento da imprensa como elemento de estímulo e apoio à transformação
social foi o que, segundo Guilherme Canela, gerente do Núcleo de Qualificação
e Relações Acadêmicas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI),
estimulou a parceria com o Instituto Ethos e a Fundação Avina para a criação
do livro Empresas e Imprensa: Pauta de Responsabilidade,
apresentado no seminário de abertura da Conferência Internacional - Empresas
e Responsabilidade Social 2006.
A publicação, cujo conteúdo é inédito no Brasil, é resultado de uma pesquisa
que avaliou 750 textos de 54 jornais brasileiros. Seu objetivo é oferecer
um quadro geral do tratamento dado pela imprensa brasileira ao tema de responsabilidade
social empresarial (RSE). A pesquisa apresentou dados positivos como a representação
do tema em 75% do universo analisado, demonstrando o interesse das redações
brasileiras, mas constatou também que 24% desse total de textos apresentam
o conceito de RSE atrelado à promoção de eventos por entidades ou empresas,
o que caracteriza uma falta de espaço para discussões relevantes ou o aprofundamento
do tema.
Como desafio à discussão que se seguiu, com a participação dos jornalistas
Heródoto Barbeiro, Célia Rosemblum, Miriam Leitão e Cláudia Vassalo, Guilherme
convidou os participantes do evento a pensarem no papel da própria imprensa
numa sociedade responsável. Além de seu compromisso social, como geradora
e legitimadora de discussões, o gerente da ANDI sugeriu que se discuta o papel
da imprensa em relação à cobertura de ações de RSE de empresas e entidades,
como forma de promover a evolução desse modelo e de suas aplicações.
Crise de valores da sociedade brasileira gera discrepância nas ações
de RSE
Quem melhor definiu o tom da acalorada discussão que seguiu-se ao lançamento
da publicação inédita Empresas e Imprensa: Pauta de responsabilidade
- Uma análise da cobertura jornalística sobre a RSE, no primeiro
dia da Conferência Internacional 2006 do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social, foi Célia Rosemblum, editora de projetos especiais do jornal ´Valor
Econômico´: "Para mim, o grande problema é o conceito de RSE". De acordo com
ela, muito da resistência da mídia em relação ao tema pode residir no fato
de que "em última instância, a RSE talvez esteja mesmo ligada ao mercado e
por isso há muitas resistências de ambos os lados", ponderou.
O debate, moderado pelo presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, levantou
variáveis tão diversas quanto complementares, deixando evidente que falta
a todos os segmentos de imprensa que lidam com responsabilidade social e ética
muito mais do que a isenção do jornalista. Falta também uma maior transparência
e coerência de empresas e de ONGs quando a pauta são as más práticas. Resta,
ainda, a questão do preconceito de alguns jornalistas, que acreditam que falar
bem de empresas é merchandising.
Para Heródoto Barbeiro, editor do ´Jornal da Cultura´ e gerente de jornalismo
do Sistema Globo de Rádio-SP, "ainda que os jornalistas persigam isenção,
há que se considerar o capitalismo, seus objetivos e as mudanças que causaram,
na verdade, uma mudança de nomes para as mesmas coisas". Para ele, jornalismo
não é dar somente boas notícias, mas criticar a sociedade.
A necessidade de uma ação crítica sobre a sociedade também foi a opinião de
Miriam Leitão, colunista do jornal ´O Globo´, comentarista da ´Rádio CBN´,
do ´Bom Dia Brasil e da GloboNews, que cobrou das organizações não-governamentais
(ONGs) um posicionamento mais efetivo para a consolidação dos princípios da
RSE: "As ONGs também devem cutucar, como os jornalistas, questões como as
que envolvem empresas que usam trabalho escravo, por exemplo", enfatizou.
Para ela, se uma empresa que tem ações de RSE está envolvida no ´Valerioduto´,
por que quando questionada a respeito a resposta padrão "A empresa não se
pronuncia sobre o assunto" é aceita pela mídia e pela sociedade?
A resposta a esse quationamento foi, de certa forma, feita por , Cláudia Vassalo,
diretora de redação da revista ´Exame´, que admitiu que "nenhuma empresa é
perfeita".
De acordo com Cláudia, "quando estas empresas são abordadas sobre uma matéria
mais contundente, elas não gostam e não falam, porque são formadas por pessoas,
e, como pessoas, têm defeitos também. As empresas refletem o que o ser humano
é". Segundo sua análise, é burrice achar que a sociedade não terá acesso a
esse tipo de informação, porque a empresa não consegue se esconder da boa
imprensa ou do bom jornalista; da imprensa analítica, que tenta achar um equilíbrio
em sua cobertura. "A realidade é cheia de matizes e esses matizes todos devem
ser considerados. Coisas ruins e coisas boas não são 100% de um lado ou de
outro. Jornalistas precisam ser críticos em relação a esse maniqueísmo", concluiu
a diretora de redação.
Ao término do encontro, a conclusão dos profissionais pôde ser resumida numa
frase de Miriam Leitão: "Estamos com valores inadequados, e isso é o que precisa
ser questionado. Precisamos dar um passo adiante. Eu acho que RSE é uma nova
atitude, de cobranças de todo o tipo de informação, e não somente as negativas
ou positivas".
Para assistir a transmissão online, acesse http://www.tvethos.com.br.